CONTRIBUIÇÃO DO LEITOR

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Joaquim Martiniano Neto é irmão de Neto do Cartório, que, por muitos anos, trabalhou em Jardim e, mesmo após haver deixado a cidade, continuou amando esta terra e atento ao que aqui se passava.

Joaquim, hoje, reside em Natal. É sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do RN. Cultiva um grande amor por Jardim e o gosto pelos fatos de nossa História. Ele me presenteou, há alguns dias, com um valiosíssimo livro, escrito no século XIX, no qual se atesta a existência da Fazenda Jardim, que, segundo a lenda, pertencera a Margarida Cardoso e fora doada por esta a Nossa Senhora dos Aflitos.

Junto a esse livro, também vieram dois textos, de sua autoria, brilhantemente escritos, os quais passo a compartilhar com vocês, fieis leitores.

Deputados renegam a vontade popular

No ano de 1859, exatamente no dia 4 de março, deu entrada nos trabalhos da Assembleia Legislativa Provincial uma petição pela qual os moradores de Jardim de Piranhas solicitaram a criação de uma Freguesia para aquela povoação. Por requerimento do deputado Francisco Xavier Pereira de Brito, esse documento foi encaminhado às Comissões de Estatísticas, Negócios Eclesiásticos e de Justiça.

Quando retornou, no dia 10 do mesmo mês, trazia um parecer favorável, sinal de que a vontade dos moradores de Jardim de Piranhas estava próxima de se concretizar. Todavia, quando se esperava a sua aprovação, de maneira inexplicável, o assunto foi totalmente abandonado. As atas de assembleia silenciam sobre a matéria.

Os deputados passaram a discutir a criação de um Distrito de Paz, que, em terceira discussão, no dia 5 de abril de 1859, aprovaram. Em resumo: o que os moradores da povoação de Jardim de Piranhas pediram foi uma coisa e o que os deputados estaduais aprovaram foi outra.

Pela lei nº 435, de 9 de abril de 1859, foi sancionada a criação do Distrito de Paz.

O padre João Maria Cavalcante de Brito, nascido na fazenda “Logrador” (sic), em território atualmente pertencente ao município de Jardim de Piranhas, recebeu a ordenação no ano de 1871. Celebrou a 10 de dezembro desse mesmo ano, na matriz de Caicó, a sua primeira missa. Estava retornando ao Seridó.

Segundo o monsenhor Severino Bezerra, em seu livro “Levitas do Senhor”, o padre João Maria, “ao ocupar o cargo de coadjuntor de Caicó, escolheu como residência a povoação de Jardim de Piranhas, onde passou cinco anos.”

A sua presença em Jardim de Piranhas era muito importante. Ali se encontrava um sacerdote da Igreja Católica para dar assistência espiritual aos fiéis da região, que lhe deu berço, forte motivo para aquela povoação ter uma Freguesia.

Talvez essa a razão que, julgando a ocasião digna e oportuna, tenha levado o deputado Manoel Basílio d’Araújo a apresentar na sessão do dia 8 de julho de 1873, o projeto de lei nº 5, abaixo transcrito:

“Art. 1º - Fica criada uma Fregª. na povoação do Jardim de Piranhas que será a sede da mesma, com a denominação de ‘Freguesia de N. Senhora dos Aflitos do Jardim de Piranhas”.
Art. 2º - A nova Fregª. corresponderá os territórios pertencentes aos Distritos de Paz e de Polícia do Jardim de Piranhas exeptuando-se o lugar denominado ‘Timbaúba’, pelo que servirá de limites pelo lado do nascente entre essa e a Freg. do Príncipe, o riacho das arêa.
Art. 3º - Revogam-se as disposições em contrário.
Palo d’Assembleia Legª. Provincial, 2 de julho de 1873.

Manoel Basílio d’Araújo”

Esse projeto encontra-se arquivado na caixa de documentos nº 217, pertencente ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, entre os vários projetos de lei que não foram aprovados pela Assembleia Legislativa Provincial.

Difícil se saberem os motivos que lhe deram essa destinação. Julgo, como forma mais coerente, afirmar ter sido o projeto retirado da pauta dos trabalhos da assembleia, nunca rejeitado em discussão, isto porque no dia 10 do mesmo mês de julho, apenas dois dias depois de apresentado, os deputados estavam tratando de outro assunto. Tinham a responsabilidade de aprovar os estatutos da Irmandade de Nossa Senhora dos Aflitos e não mais a criação de uma Freguesia, numa repetição quase semelhante ao fato ocorrido no ano de 1859.

A criação de uma Freguesia na povoação de Jardim de Piranhas, de forma surpreendente, pela segunda vez, não acontecia.

O Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora dos Aflitos, composto de vinte e seis artigos, foi apreciado pelos deputados nas sessões dos dias 10, 11 e 14 de julho de 1873, quando recebeu pequenas emendas. A aprovação definitiva aconteceu na última sessão, a 14, feita pelos seguintes deputados: Francisco Gomes da Silva, Affonso de Paula de Albuquerque Maranhão, José Alexandre de Amorim Garcia, Amynthas da Costa Barros, Joaquim Guilherme de Souza Caldas, Raphael Arcanjo da Fonsexa, Luiz Antônio Ferreira Souto Júnior, Cosme Damião Barbosa Tinoco, Bonifácio Francisco Pinheiro da Câmara, padre Antônio Joaquim Rodrigues, José Moreira Brandão Castelo Branco, Jerônimo Cabral Raposo da Câmara, Francisco Clementino de Vasconcelos Chaves e Antônio da Silva Antunes.

Ficaram sem explicações os motivos que não permitiram a criação da Freguesia. Surgem então as suspeitas de que algo obscuro, assim se diga, impediu-a. Tal presunção cresce ainda mais quando se dá importância ou se faz a análise de alguns fatos. No ano de 1873, quando a criação da Freguesia já tinha sido proposta pela segunda vez, várias povoações do Seridó já as possuíam, como Acari, em 1835, Jardim do Seridó, em 1856, e Serra Negra do Norte, 1858. Por que Jardim de Piranhas não teve esse mesmo direito?

O padre João Maria Cavalcanti de Brito, ao ir residir ali em 1871, revestiu a povoação de um respeito muito maior, dando-lhe grande representação religiosa. Tinha aquela localidade forte influência, notadamente se ele fizesse uso do seu prestígio.

O projeto de lei do deputado Antônio Basílio de Araújo foi apreciado a 8 de julho de 1873. No entanto, rapidamente, no dia 10, entrou para aprovação naquela casa legislativa o estatuto da Irmandade de Nossa Senhora dos Aflitos, de redação feita no Palácio da Soledade, no Recife, e assinado pelo padre Miguel Américo Pereira de Souza, a 16 de julho de 1872. Se esse documento já estava pronto desde essa data, por que não foi apresentado há mais tempo?

O que teria então interferido para que a Freguesia não fosse criada? Existe um fato na história de Jardim de Piranhas que pode ter concorrido para o acontecimento: o assassinato do padre Antônio José Ferreira Nobre, cujo termo de óbito abaixo vai transcrito:

“Aos vinte e nove dias do mês de setembro de mil oitocentos e vinte e cinco na Povoação do Jardim de Piranhas desta Freguesia do Seridó faleceu repentinamente sem sacramentos, por motivo d’huma faca em uma coxa da perna, o reverendo Antônio José Ferreira Nobre, Presbítero Secular, com idade de vinte e seis anos: seu cadáver foi sepultado nesta Matriz de Sant’Anna, junto à grade do arco para baixo em o dia seguinte, sendo envolto nas vestes Sacerdotais em côr roxa, acompanhado solenemente, e encomendado por mim: de que para constar fiz este Assento, que assino.

O Vigrº Fransisco de Brito Guerra”

Diante de tão terrível cena, a Igreja Católica certamente usou de todas as suas forças, de maneira silenciosa, e não permitiu que a Freguesia fosse criada. Não está aqui uma afirmação absoluta, mas, uma suposição. No futuro, algum pesquisador pode até esclarecer melhor esse acontecimento, inclusive fazer um trabalho conclusivo sobre a criação definitiva da paróquia, ocorrido já nos nossos dias, em 9 de novembro de 1966, cento e sete anos depois do pedido feito pelos moradores da localidade.

(Texto publicado em “A Verdade”, em abril de 1996)

2 comentários:

Anônimo disse...

Joaquim é irmão de Neto do Cartório.

. disse...

Muito obrigado pela correção, caro anônimo. Espero que Joaquim me desculpe por tão grande falha.

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