CONTRIBUIÇÃO DO LEITOR

terça-feira, 28 de junho de 2011

POR QUE NÃO VI A COR DO SEU ABADÁ?

JAIR ELOI DE SOUZA*

                                    
Do perfume ainda sinto o aroma, pois faço uso dele em sua homenagem. O chocolate olho de soslaio na prateleira de sempre. A cama é um santuário do invisível, embora esteja sempre arrumada, meneio sobre ela na imaginação e me deparo com o vazio de não sentir o cheiro do seu suor quando cheirava sua cabeça, mesmo dormindo, mesmo um homem feito. É que sua alegria me contagiava de orgulho de tê-lo como filho, espécie de resina de generosidade do velho Eloi de Souza e da mansidão do saudoso Luiz de Quinca, seus ancestrais. As datas, os eventos se fazem presentes em nossa vida, mas para nós seus pais, irmãs, tias, primos, seus amigos, desses são estalos de lembranças, de quando podíamos vê-lo alegre, garboso e em paz com os seus. Em recente evento carnavalesco, o festejado CARNATAL, não vi a cor do seu abadá. Até que inconscientemente lhe reservei o dinheiro, mas ficou só e somente só na imaginação. Não sabia se lhe convidava na morada da paz, onde lhe dei o último beijo. Beijo de um pai que era seu herói, que a exemplo de Abrão de Ur, com dignidade entregara seu primogênito à divindade maior, ou se erguia a visão aos céus para saber pelo menos onde ele estava. Não vi Júnior, Nélio, Bruno, seus velhos amigos, mas, nos últimos artelhos da árvore natalina, busquei o visionário de sua silhueta, e confesso não era apenas uma miragem, nem o lerdo engano de um pai saudoso, era simplesmente ele, com muita saudade de mim, de sua mãe que lhe dedica muitas horas de orações comungando sua ausência, de suas irmãs, e, confesso, eu também me fazia saudoso.

Amanheci na Chã da Graúna, não foi uma madrugada gélida, estamos ainda em fevereiro, o sol ainda é meridional, por isso não autorizou as chuvas de verão, o inverno nos trópicos do sertão nordestino. Fazia uma cerração, sem cúmulos, sem chuvisco, sem vento, um permeio de nuvens lentas e um fundo quase azul anil estático, que denotava a presença de cristais d’água. Assim me despedi do meu feudo rurícola. No passadiço do ramal, alguém acenou, era César, um velho conhecido de Heitorzinho, que de logo adiantou, Doutor, tenho uma foto de Heitor, era meu amigo. Acorri até à casa de Jaidete, minha irmã caçula, relatei da lembrança que César guardava em sua casa, ela me disse: a coveira de Santa Cruz guarda também uma foto de Heitor, lhe queria bem, quando ia ao cemitério, em visita ao túmulo dos seus avós, lhe abraçava e a afagava com certa importância.

Pois é, Thor! Você viveu nos limites de construir a resina da saudade de suas presepadas, de sua indulgência aplaudida por todos nós. A Chã da Graúna ainda lhe escuta e verte a vacância de sua ausência, do som ambulante que montara na velha carroça, estrada acima, estrada abaixo, sem despertar qualquer sibilo de inquietude dos que fazem aquele rincão. Meus cumprimentos, o meu limbo de escriba ainda esta na puberdade do tempo, nele nascerão o meneio permanente, a sua lembrança, o fluido                                                                                                                                                                                                                      em tercitura rústica de sua simplicidade, o amanhã com nimbos chuvosos, embalados na leveza de seu sorriso; sem lágrimas, sem choro, sem tibieza. Arriba! Só os amantes da prosa, da poesia e da natureza, como seu velho pai, navegam no cênico imaginário de sua doce presença.

Fevereiro, em quarto crescente, 2008.


(*) Professor do Curso de Direito da UFRN.

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