CONTRIBUIÇÃO DO LEITOR

quarta-feira, 22 de junho de 2011

QUANDO O CANGATI BOQUEJA NA RIBANCEIRA DO  PIRANHAS!



                               JAIR ELOI DE SOUZA*


“Das goelas da Serra do Teixeira,
 O Espinharas recebe seu enchimento,
Banha Patos, faz curva em Serra Negra,
E continua o seu curso violento,
E despeja  no Rio de Piranhas,
légua  e meia abaixo de São Bento”

(Relíquia do poema de canhotinho sobre a enchente de l924) – oralidade do velho Eloi de Souza, dos Gonçalves da Ribeira meã do Piranhas.

Na Ribeira meã do Rio Piranhas, este que já vem de vadiar desde antes do vale do Rio do Peixe, adjacências de Cajazeiras dos Rolim, assistimos ao abraço das águas turvas e avermelhadas do velho Espinharas e do seu anfitrião o Rio Piranhas, plagas do “cancho de Regina”, na Barra de São Pedro, nas cumeeiras limítrofes entre os Municípios de Jardim de Piranhas e São Bento da Paraíba. São as águas do abril chuvoso, que trazem o limpo vermelho aos margeantes da ribanceira. O umari caindo, nozes pardo-avermelhadas, é um refrigério para o cardume peixeiro, que também aprecia os frutos decompostos da oiticiqueira que atravessa a sua estação outonal, naquelas paragens dos confins do Seridó.

Nesses tempos, a fauna peixeira tem degustação rica durante a quadra chuvosa, pois, nos meses da estiagem, os coitos estão bastante povoados, só sobrevivem os mais fortes, como a piranha, na sua versão beba e preta, a traíra e o tucunaré, esses são responsáveis pelo processo de seleção do cardume, quando devoram todas as espécies de menor tamanho. A exemplo do urso polar, que hiberna por longo período no seu covil gélido, o cangati, faz-se como seu similar nos trópicos do nordeste brasileiro, com exclusividade no Rio Piranhas, e é uma exceção à regra. Peixe sem escamas, de carne macia e gordurosa, de um sabor ímpar quando ensopado à base de nata fresca, maxixe de primeira chuvada e soro de coalhada sertaneja. Esse exemplar da fauna pesqueira tem hábitos diferentes das outras espécies que transitam no velho Piranhas, pois leva a vida sedentária durante vários meses. Vive em furnas de argila gelatinosa na ribanceira, entre julho e janeiro, consumindo sua gordura acumulada e pequenos viventes da flora e da fauna aquática, sem quase nunca sair de seu esconderijo ribeirinho, com raríssimo e breve intervalo, quando enxotado pela piranha beba faminta, e o faz nos limites de perfurar novo coito no massapê ou lama roxa das barreiras ilhadas.

De bem dizer que essa resistência do cangati ribeirinho me levou a interrogatórios de velhos pescadores da ribanceira do Piranhas, dentre os quais travei conversa com afamado Chico de Tia Querida. Isto mesmo, Tia Querida, prima de gente famosa como padre João Maria e o cultor do mundo jurídico Amaro Cavalcanti, nasceram na mesma casa no logradouro da antiga freguesia de Santana, hoje pertencente ao Município de Jardim de Piranhas. Deste tirei um primor de informação a respeito do cangati. Dissera aquele que o cangati por ser um peixe desdentado, tem vida furtiva, imalocada. Mas o segredo de sua resistência esta no consumir das nozes do umari, árvore ribeirinha e espinhenta típica do sertão seridoense, onde se nutre nos baixios e aluviões. Essas nozes maturam a partir do abril chuvoso e são indeiscentes, não abrem nunca, a não ser quando cozidas durante quase dois dias em fogo de lenha. O cangati as engole e fica farto, porquanto passam meses para ocorrer a decomposição, daí não haver necessidade de sair este do seu esconderijo ou furna ribeirinhos, como as outras espécies. O outro viés explicativo para a vida sedentária deste bagre de água doce é que só gosta de navegar em águas turvas, barrentas ou lamacentas, como as cheias do velho Espinharas. Participei de pescarias madrugadenhas, quebrar da barra, vara de caniço e usando isca de minhoca, por ser flácida esta, o cangati tinha-a por especialidade na sua degustação, o que fazia com que esse anônimo escriba fizesse uma baita pescaria, assistindo à amanhecente do dia, na Ribanceira meã do Piranhas. 


(*) PROFESSOR DO CURSO DE DIREITO DA UFRN

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