CONTRIBUIÇÃO DO LEITOR

terça-feira, 14 de junho de 2011

JAIR ELOI DE SOUZA*
                                                            
                             UM CERVO NAS CERCANIAS DA CHÃ DA GRAÚNA...

Certa manhã, em plena minguante do mês das cobras e de pastagens já maturadas, um cervo de idade meã, tangido pela solidão da mata quase virgem, resolve juntar-se aos ovinos que pastavam na capoeira descampada, não se sabe se pelo fato de não mais contar com o seu clã, que imagino abatido um a um, pelos tisnados da topada da ignorância, ou se encorajado e atraído pela vacância das persigas dos espingardeiros nas campinas da Chã da Graúna. Fato é que veio para o meio do rebanho de uma espécie diferente, qual não foi a desdita do pretenso cervo, um dos cães o diferençou e o segurou pelas pernas, dando lugar que um dos rurícolas desavisado do tempo o abatesse, transformando em carne para a família. Desse lastimável episódio, o sacrifício de um inocente cervo, que apenas procurava um novo habitat, recrudesceu na conduta desse ilustre e desconhecido escriba, uma vocação da mais pura cumplicidade, de construir com a mãe natureza, uma convivência que só os deuses dos descampados do tempo, conhecem o solfejo de proteção aos que habitam aquele feudo nas empenas da Serra do Doutor, nos últimos contornos da Borborema Potiguar.
 Os tempos se foram, foram duros tempos, uns faziam tocaias nas vazantes dos barreiros, para abater as rolinhas na bebida, de outra feita, eram pegos em plena noite, num trabalho de facheamento de arribaçãs que viviam a estação reprodutiva. Os nambus não tinham a liberdade de habitar as capoeiras em arbustos. Os pássaros de cantos livres, como os galos-de-campina, os sanhaçus, as graúnas, eram apanhados pelos alçapãos, nem se ouviam os seus cantos, nem se viam os ninhos em filhotes. Mas, a dança dos deuses da liberdade, entoada desde a névoa matutina até a última réstia vesperal, devolveu ao santuário da Chã da Graúna, o púlpito magistral nas galhadas dos eucaliptos decenários e cajaraneiras de era, onde a sinfonia em cantos e reprodução da passarada, fazem os deuses continuarem sua dança em versos de mudez reflexiva, como guardiães do santuário da mãe natureza.
Estabelecida a paz matutina, em noite fosca, já se pode ouvir o canto seco e de longo compasso da cambonge, em cochichos com sua ninhada nos alagadiços entrançados de tabocas d’água, o canto babélico das aves aquáticas, num cênico de paturis de asa branca, galinhas d’água, mergulhões e marrecos, todos em cio de reprodução, de longe acompanhados pelo rasgo do carão ribeirinho em degustação madrugadenha consumindo aruás, no limbo do açude da Chã da Graúna.

Os louros periquitos e tapacus voltaram a chocar para a reprodução nos cupins extintos, sabem que a estação dos fins das águas ainda lhes oferta grãos de milho zarolho e sorgo em maturação, e não é mais preciso esticar a aselha até o verde pernambucano ou à estação de chuvas de mangas do Piauí. A Chã da Graúna é mesmo um santuário, onde os deuses ofertam um banquete em grãos aos que nela habitam, sem abdicar do som da sinfonia e da dança da liberdade.

Chã da Graúna, em minguante setembrina/2008.

*É Professor do Curso de Direito da UFRN.

0 comentários:

Postar um comentário

You can replace this text by going to "Layout" and then "Page Elements" section. Edit " About "