CONTRIBUIÇÃO DO LEITOR

quinta-feira, 23 de junho de 2011

SEM FARRISTA NÃO HÁ OBRA!

JAIR ELOI DE SOUZA*


Grassava a segunda lua setembrina, a florada do algodoal no mês das cobras completara a casulagem, a rolinha já iniciara a postura da seca e agasalhava seus ovos em ninhos com forros de panasco, em mandacarus galhados ou nas ramas das oiticicas de era. Os oleiros prendiam-se no seu ofício até a hora crepuscular e, em última providência, punham o barro em dormência aguada para o amasso do dia seguinte, quando do início do fabrico de tijolos em caieiras de oito bocas. Não havia ainda naquelas paragens do sertão do Seridó, o tijolo de oito furos. O modelo era maciço, e seu transporte após a queima era em lombo de jumento, em pequenas caçambas abertas, pois as fechadas serviam para o carrego de barro e de areia. No coice desse trabalho, havia necessidade de se formarem as tropas de burro asinino, às vezes da mesma cor, de mesmo porte, que variavam de cinco até oito animais, porém, com um destaque para o jumento-guia, de cujo desempenho dependia a produtividade e o desembaraço no carrego para suprir as construções, que eram muitas, em vistas dos casamentos marcados para as festas de fim de ano, na Jardim de Piranhas.

Nesses tempos, finzinho dos anos cinquenta, brilhava a figura de FARRRISTA de Chico Careta, asno de pele roxa, corredeira lombar preta luzidia, de porte avantajado, fogosidade e obediência magistral no papel de burro-guia. Deste dependia o atendimento às encomendas de tijolo. Animal de fino trato, exímio no atender ao estalo da partida da tropa e na cadência do rojão que o tropeiro impunha ao conjunto para encurtar as distâncias. Cumprida a jornada do dia, banho e distribuída a mochilada de milho de molho, à noite a tropa era solta num valado, ou peada nas cercanias das casas de taipe de seus respectivos donos, no caso os tropeiros, para, no quebrar da barra seguinte, o encangalhar ser mais breve.

No sertão tem um velho ditado que quando as coisas não dão certo, fogem à rotina traçada, é comum dizer-se que: é tem nada não, tem o dia do caçador e o da caça, hoje é dia da caça. E foi assim: Medalha, jumenta híbrida, maninha de Aureliano de Chica Bacurim, entrou no cio e danou-se pros lado dos pereiros. Lá encontrou Farrista de Chico Careta, que a dois afloraram para a zona urbana da cidade, rua acima, rua abaixo, com um séquito de meninos curiosos para verem o desfecho da cópula animal. Nisso Chico Careta, após arrumar a tropa, não conseguiu perfilhá-la vez que Farrista, o puxador do comboio, não estava. Sofrimento duplo, a velha desgrenhada Chica de Bacurim que botava água na rua a procurar sua burra Medalha e Chico Careta desesperado a procurar Farrista para encaminhar sua tropa às caieiras de tijolo, pois já começavam chegar os fregueses, comunicando que as construções estavam paradas. Sinuca de bico, aquele, que deixava de entregar o produto, e estes, receosos de não terminarem suas casas para as filhas que estavam a casar. Nessa procura, Chico Careta desce a Avenida Rio Branco, que dá acesso ao Rio Piranhas, na altura entre as casas de Rosa de Senhor Leite e a do velho octogenário  Janúncio de Freitas. Dona Maria Isaura Vale de Freitas, sempre generosa no trato com as pessoas, pergunta: Esse menino vai pra onde, tão vexado? Ando atrás de Farrista, que me deixou na contramão, pois as obras tão paradas, respondeu o velho tropeiro. Foi a senha para Dona Isaura, caridosa e solidária, passar o dia inteiro perguntando a todos se avistaram FARRISTA DE CHICO CARETA. É fato que, sem sombra de dúvida, morrera de velhice e de bondade no crédito de ter contribuído para encontrar Farrista do tropeiro Chico Careta, pensando ser um dos seus filhos menores.


Dezembro escaldante, 2007.


(*) Professor do Curso de Direito da UFRN.

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