A HERANÇA NO SONHO DE UM PIPOQUEIRO (PARTE FINAL)

domingo, 24 de abril de 2011

Conforme iniciei ontem, o Diário de Natal, edição de 14/12/1997, noticiou a história do pipoqueiro que se achava dono de Jardim. O restante da reportagem segue abaixo:

O DONO QUE NÃO ASSUMIU

Final dos anos 60, o vereador-camioneiro Waldimir Dantas, de Jardim de Piranhas, transportava uma carrada de algodão em seu velho Crevrolet "no toco" para uma fábrica de Pau Grande, no interior do Rio de Janeiro e ficava surpreso com tantos acenos dirigidos em sua direção.
"Legal, bicho, vamos nessa!", gritavam os cariocas que transitavam pela avenida Brasil. Surpresa maior teve ao estacionar o veículo no pátio da indústria da terra de Mané Garrincha.
"Valeu, cara, aonde fica esse paraíso?", perguntavam os tecelões. "No Rio Grande do Norte", respondia o atônito Waldimir, sem entender tanta curiosidade. "Se fosse mais perto, iríamos lá", lamentavam-se os cariocas. Motivo da calorosa recepção ao camioneiro seridoense era a frase estampada na lameira traseira do caminhão: "Visite Jardim das Piranhas". Mas o conterrâneo nem se tocou. 
Em 1972, porém coube a Pedro Sales, um anônimo pipoqueiro de Patos, Paraíba, colocar a terra de Waldimir Dantas no mapa do Brasil. Com uma velha escritura, datada de 1874, portanto, já com 125 anos, Sales chegou ao Jardim de Piranhas se autoproclamando dono dos 394 quilômetros quadrados que delimitavam o então município de 7.924 habitantes. O pipoqueiro provocava, momentaneamente, uma reviravolta nos hábitos e costumes da cidade e atraía um batalhão de repórteres à terra dos irmãos João Maria e Amaro Cavalcanti que, por coincidência, chegara a ser prefeito da cidade do Rio de Janeiro.
"Pipoqueiro que herdou cidade promete paz e justiça social" estampava o Jornal do Brasil, em setembro de 1972, matéria transcrita por um dos jornais de Natal.
De acordo com o texto da época, que dizia alguns exageros - como sendo Jardim de Piranhas uma das mais pobres cidades do Estado, "com apenas uma rua calçada, grande produtora de xilita e distante 700 quilômetros de Natal (são cerca de 300) - a escritura era datada de 10 de janeiro de 1847, pela qual a viúva Isabel Barros Cavalcanti vendia as terras da fazenda Jardim, perto do rio Piranhas, a Francisco Sales de Lima, seu bisavô. O velho teria partido para o Ceará 30 anos depois, fugindo da seca de 1877 não dando mais notícia, porém, deixando para a família o rico patrimônio. O pipoqueiro foi procurar o então tabelião de Jardim, o caicoense José Neto de Araújo, mas este o desanimaria para sempre, e a mirabolante história de Sales desapareceria com o próprio personagem.
"Mais nunca se ouviu falar em Pedro Sales, parece até que ele morreu. Pois nem seus descendentes vieram mais aqui", afirma Geoci Vale de Freitas. "Tive de vê-lo uma vez no meio da feira, mas sem manter nenhum contato com ele", externa o prefeito José Henrique de Araújo. "De fato, Pedro Sales apresentou uma velha escritura, mas sem registro algum. Não tinha mais valor jurídico", lembra o escrivão José Neto de Araújo, 62.
Do vendaval provocado pelo pipoqueiro até hoje, Jardim de Piranhas, distante 30 quilômetros de Caicó (265 de Natal) acrescentou pouco em sua população nos últimos 25 anos - pulou de 7.924, para 10.510, mas já não explora mais xilita. Além da agrocupecuária, a economia local tem como carro-chefe os teares - existem centenas deles -, sendo o maior produtor de redes de dormir do Rio Grande do Norte.

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