NOTÍCIAS DO JUDICIÁRIO

quarta-feira, 5 de outubro de 2011


MAIORIDADE PENAL E A IMPOSSIBILIDADE DE SUA REDUÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO

A redução da maioridade penal é tema em voga no atual momento de crise na segurança pública que a sociedade está vivenciando. A crescente violência, praticada em muitos casos por pessoas menores de idade, tem levado muitos a defenderem a redução da maioridade penal, como forma de reprimir a violência e a criminalidade causadas pelos adolescentes. Entretanto, antes de se discutir se a aludida redução da maioridade penal seria uma medida realmente eficaz no combate à criminalidade juvenil, é preciso que se faça uma análise da questão especificamente jurídica, ou seja, da possível inconstitucionalidade que macularia qualquer alteração no artigo 228 da Constituição Federal, uma vez que o mesmo traz um direito individual fundamental, sendo então uma cláusula de natureza pétrea, não podendo, portanto, ser alterada nem mesmo por emenda constitucional. Diante disso, o presente trabalho monográfico visa se deter à questão jurídica, ou seja, a análise da natureza do já citado direito constitucional, não tendo como objeto o estudo sobre os benefícios ou malefícios trazidos pela redução da maioridade penal no Brasil, nem tampouco um posicionamento sobre essa questão. Em suma, o que se busca nesse trabalho é a definição da questão jurídica que deve, necessariamente, anteceder a discussão sobre a redução ou não da maioridade penal, mostrando que qualquer alteração que finde na restrição de um direito individual fundamental será impossível, visto que estaria eivada da mais completa inconstitucionalidade.



OS BURACOS NA LEI

Os estudantes de Direito são incentivados a ler, logo no começo de seu curso, uma aula muito conhecida que o professor Lon Fuller proferiu na prestigiada Faculdade de Harvard, nos Estados Unidos, e publicada sob o título "O Caso dos Exploradores de Cavernas". Trata-se de uma magnífica lição de lógica argumentativa desenvolvida para esgotar os fundamentos de uma deliberação judicial, sejam eles brilhantes e criativos ou prosaicos e apenas baseados no senso comum. O caso trata de um grupo de arqueólogos que fica preso em uma caverna e, para que alguns possam sobreviver até o resgate, pratica o canibalismo. O julgamento enfrenta a questão de ter ou não havido crime e das responsabilidades pela prática bárbara com que algozes e vítimas concordaram, pela esperança que cada um depositava na própria sorte.

Em dado momento, um dos juízes assim se manifesta: "A inclinação de meu colega para encontrar lacunas nas leis faz lembrar a história, narrada por um antigo autor, de um homem que comeu um par de sapatos. Quando lhe perguntaram se os havia apreciado, ele replicou que preferira os buracos. Não é outro o sentimento de meu colega com respeito às leis; quanto mais buracos (lacunas) elas tenham, mais ele as aprecia. Em resumo, não lhe agradam as leis."

O juiz conclui dizendo que seu colega se deixa levar pela "natureza ilusória" de um processo para preenchimento das lacunas, e "pensa que sabe" o que se pretendia declarar na lei que ele considera omissa.

Três julgamentos recentes dos tribunais superiores mostram como estamos atrelados ao comportamento de transferir para a lei um silêncio que nos agrada e é conveniente, como se também tivéssemos de digeri-la a contragosto, feito o desesperado faminto que só tinha os sapatos para engolir. O primeiro deles resultou na anulação do julgamento decorrente da Operação Sathyagraha, que havia penalizado pessoas poderosas envolvidas em crimes financeiros. Uma das turmas do Superior Tribunal de Justiça, pela votação de três a dois, entendeu que a participação de agentes da ABIN, em auxílio à Polícia Federal, havia "contaminado" a prova, tal como na "teoria" da árvore dos frutos envenenados. Tal teoria, se merece esse nome, não tem sequer validade na Botânica, pois se uma árvore é envenenada ela, em princípio, morre, e não passa a produzir frutos malignos. Pretender teorizar assim é uma forma de valer-se preconceituosamente da ingênua história da maçã do pecado, com o pudor de lhe invocar o nome. A par disso, não é preciso dizer que os órgãos estatais tem o dever institucional de colaborar uns com os outros, sem o que nunca seria coordenada a atividade que a Constituição designa como "administração pública".

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