Atirei ao chão o fardo que diariamente carrego. Sentei-me sobre as pedras, mirei-me nas águas do Rio Vermelho e não reconheci o próprio rosto. Ficara no passado a menina tola que — imaginem! — sonhava ser uma famosa estilista de moda.
Fascinava-me aquele mundo de luxo e sofisticação , por mim percorrido de norte a sul nas páginas das revistas. Em busca desse sonho, estudara com afinco, desconhecendo quão distantes estavam as possibilidades de se obter o sucesso almejado. Quebrei a cara ao ver ruir o castelo que durante a vida construíra. Seus alicerces não resistiram às oscilações do terreno que eu ambicionara pisar. Abandonei os estudos, casei-me, logo enviuvei e hoje me encontro nesta situação, no mínimo, constrangedora.
O destino, comigo, foi irônico. Colocou-me tecidos e costuras nas mãos, porém, de uma forma não desejada. Cada peça ensaboada, cada inocente e mísero molambo que ferozmente esfrego significam um fracasso, uma frustração. Sob um sol que me bronzeia até o espírito, expio o castigo de lavar a sujeira alheia. Não falo dos suores e excrementos grudados ao tecido. Desses até que não reclamo. Refiro-me às mazelas humanas, verdadeiras pragas que contaminam as vestes, causando-me nojo. Considero a roupa uma extensão do próprio corpo e creio que este transfere para aquela todas as suas impurezas, quer físicas, quer espirituais. Perceba, então, que lavar tecidos é também purificar almas, embora esta função, arrisco dizer, ninguém a reconheça. Atribui-se à lavadeira um valor insignificante. Esquecem-se de que em nossas veias flui sangue. Vermelho e repleto de vida, tal qual o rio que ora me serve de espelho.
(Conto baseado no poema "Todas as vidas", de Cora Coralina.)
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