CLAUDIO DE MOURA CASTRO
A revista Veja desta semana, edição nº 2.227, publicou um excelente artigo, escrito por Claudio de Moura Castro, justamente quando se discute a constitucionalidade do exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Recomendo a leitura na íntegra.
Sou réu! (processo RD 05462/2011)
No entusiasmo de minha formatura em economia, afiliei-me ao Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro. Antes de começar a trabalhar, fui fazer meu mestrado e doutorado nos Estados Unidos. Lá me apaixonei pelos assuntos da educação, fiz minha tese nesse tema e, ao voltar ao Brasil, tornei-me professor e pesquisador em educação. Passei por Capes, Ipea, OIT, Banco Mundial e BID, onde lidei apenas com educação. Retornei e continuei no mesmo assunto. Pois não é que o Conselho Regional de Economia vem, há muito, insistindo em me cobrar suas mensalidades? Argumentei por escrito que não exercia e jamais exerci a profissão de economista. Pela lógica, se o conselho se ocupa com o exercício da profissão, não é comigo. Achei que seria o bastante. Mas não foi. Recebo agora uma comunicação de que estou sendo processado. Querem de mim as mensalidades atrasadas. Na verdade, o valor é modesto (2.063,43 reais), muito menos do que vale o meu tempo e o do advogado para me defender. Mesmo ganhando, saio no prejuízo. Se não quero pagar, é por princípio. Faço birra, pois, em vez de cuidar da economia brasileira, o conselho apenas pratica o mais tacanho corporativismo.
As corporações de ofício surgiram na Idade Média, visando a regulamentar as profissões artesanais e o seu aprendizado. À sociedade, ofereciam um pacote justo. Para seus membros, protegiam o mercado. Mas, em contrapartida, garantiam a qualidade dos seus profissionais, com rigorosas provas de competência. Sobrou hoje o lado errado dessa tradição. Em vez de salvaguardarem o mercado de artesãos pobres, as novas corporações protegem universitários – que estão no topo da distribuição de renda. Criam uma reserva de mercado para a categoria. E, à exceção da OAB, não fazem nenhum tipo de simulacro de controle de qualidade. Basta ganhar um diploma e aninhar-se sob as suas asas protetoras. É o pior dos mundos. Protegem os mercados dos seus membros – no caso dos economistas, apenas 10% dos graduados – e não dão nada em troca. São máquinas burocráticas, cujo funcionamento consiste em cobrar mensalidades, sem prestar outros serviços de interesse.
Especulo sobre o espírito da lei. Se há uma cobrança, é de pensar que deve haver uma contrapartida para quem paga. Em princípio, esse benefício seria a defesa dos interesses dos profissionais. Ora, para uma pessoa que jamais exerceu a profissão, não há contrapartida, nem real nem imaginária. Se não trabalho como economista, não tenho mais interesses a ser defendidos. Portanto, o conselho não me presta serviços. No fundo, a sociedade brasileira torna-se refém de um câncer corporativista, cuja metástase se alastra a cada dia. Como não quero pagar o pedágio de uma corporação defendendo interesses que não são meus, sou processado. Diante disso, quero contestar o princípio. Escapamos de ter uma lei regulamentando a profissão de astrólogo, com sua constelação de privilégios e ameaças. Mas o Conselho de Educação Física tenta impedir que bailarinos ensinem a dançar. Para os administradores, só quem tem diploma pode administrar empresas, mesmo com mestrado ou doutorado na área. Peter Drucker, advogado, não poderia praticar ou ensinar administração. Pedro Malan, engenheiro, não pode trabalhar como economista. Mas foi ministro por oito anos e tem um doutorado em economia em Berkeley. Einstein não poderia dar aula de física, pois não tinha licenciatura. Os melhores músicos brasileiros, sem diplomas, não podem ensinar nas nossas universidades. E o funcionário da Ordem dos Músicos que quis cobrar direitos autorais do próprio autor da canção?
Em nome de que princípio? Existem bons motivos para certificar rigorosamente médicos, engenheiros civis e pilotos de avião, pois há vidas em perigo. Mas são poucas as profissões nessa categoria. O grande trunfo dos conselhos é seu lobby para regulamentar as profissões. É a vitória do tapetão. Nada mais. Mas por que a sociedade brasileira tem de aceitar essa colônia de parasitas, sugando o fruto do trabalho de tantos? Por que os conselhos corporativos gozam do privilégio único de usar as varas federais de execução fiscal (ou seja, os contribuintes pagam as custas do processos)? As mensalidades para os conselhos não são tributos, mas inundam e travam o Judiciário. Segundo o Ipea, 37% dos processos dessas varas são cobranças corporativas. Alvíssaras, caiu por terra a exigência de diploma para jornalistas! Há esperanças. Anticorporativistas, uni-vos!
1 comentários:
Impressionante, parece que o Dr.Claudio Moura, está contando a minha historia. Tamb´[em estou sendo processado pelo conselho de Economia, e nunca exerci a profissão, sou advogado.vejam só que barbaridade.
Heli Guimarães OAB/RO 4121
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