COMO A FLOR DE CAMARÁ.
Jair Eloi de Souza*
Há dias a primavera havia espirrado o seu último riso, o cinzento era quase soberano, não fossem os brotos e as primeiras flores do juazeiro em verde cana, que ofertavam um cênico de ramas na puberdade, um baita refrigério para os camaleões famélicos. As pétalas amarelas das craibeiras já estavam sem perfume e não eram mais buquês, o vento rasteiro e quente da caatinga as levava sem rumo para a imensidão dos arvoredos perdidos do meu sertão. Lua crescente e novembrina no alvorecer do dia dois, era de finados. A única alegria por esses tempos, dever-se-ia observar à noite o rancho das estrelas, como se fosse um seresteiro único e solitário, numa caatinga fria, gélida, envolvida na cruviana madrugadenha, talvez tendo como companheiro o soluço esporádico de um velho galo que não cantara na primeira madorna, por isso soluçava embriagado pelo descompasso do tempo. É bem verdade que a lua prateava, mas a alma do arvoredo estava morta, e a brancura de sua luz não iluminava mais a vida, quando muito, um silêncio mudo ou sinistro, apavorante, permeado pelo canto de coruja noturna, que não passava de rasgo choroso e melancólico, estava eu a dormir no meu feudo a Chã da Graúna, nos últimos artelhos da Borborema Potiguar, um lugar onde os deuses conversam com a natureza.
Por esses tempos, estive na Corte do meu velho e doce amigo Heitor, de chofre esboçara um sorriso de cênico meio quebrado. Era esperado, viver afogado no remanso da solidão sem poder ofertar sua generosidade, um afetuoso abraço a este velho escriba seu pai, é mesmo um óbice exagero dos deuses. Talvez estes, ainda estejam loucos como na antiga Tróia. A resposta a isto, só aquele que estava no túmulo ao Deus Desconhecido e que fora apontado por Paulo, quando estivera na pólis grega, pode dar.
O camará, rama arbustiva do meu sertão, ao receber o fluido lacrimal dos nimbos, encorpa-se em brotos e flores em apenas três dias, um generoso refrigério para alimentar os gados. A precocidade típica do camará também se fez presente em nosso herói Heitor Hommel; nascera de sete meses, mal transpôs a silhueta da puberdade varonil, fora convocado pelos exércitos celestiais, talvez cumprindo aquela máxima, de que os bons são sempre convocados de forma antecipada. Mas, lá no lugar que chamam de morada da paz, estava eu e a Goretti, sua mãe, em orações. Ao fundo o solfejo de uma sinfonia de Ravel, um desejo de acordar os que lá dormem, ou de falar por estes com aqueles que peroram no imenso estuário da resignação, em sonhos, teimosos em descobrir a tenda onde os deuses promovem a dança das almas.
Nas cercanias do marejar do velho Atlântico, em lua cheia novembrina, 2011.
(*) Professor do Curso de Direito da UFRN.
NOTA DO AUTOR: Esta crônica é dedicada aos pais e aos filhos que perdem seus entes queridos, principalmente a você, Alcimar, que fez na crônica dedicada a sua amada mãe uma grande homenagem, lhe ofertando os mais puros sentimentos e denotando viver na estação de uma resignação eterna por sua ausência. Assim como você, também de olhos lacrimejantes dissipo o tempo, esperando que a tenda dos deuses abra suas portas e permita dar um grande abraço no meu querido Heitor.
2 comentários:
Seu Jair,
Muito bonita e emocionante sua crônica!
Como dizia o poeta: "O tempo não pára,só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo..."
7 anos já se passaram,durante esse tempo também venho compartilhando com o senhor essa saudade,da ausência física, da voz, saudade da amizade e do amor vividos que ficarão eternizados na lembrança.
Um grande abraço pra o senhor, que mesmo de longe sempre está nas minhas orações.
Ana Paula Pontes
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