DOS QUE HABITAM A CHÃ DA GRAÚNA
A ACAUÃ,..............O CABURÉ DE BURACO.........E A MÃE DA LUA.
JAIR ELOI DE SOUZA*
Na Chã da Graúna, nas últimas empenas da Borborema Potiguar, terras de Campo Redondo, a cruviana madrugadenha, galopa na segunda cantada do galo e guarda segredos, que só os amantes dos descampados do tempo encartam ao ouvi-los em seu livre pensar, as raridades de hábitos, protestos, formas de viver e de sobreviver de personagens que em sonoridade ululante se comunicam com um interlocutor imaginário, mendigando amparo a sua melancolia gélida. Não são piados, gorjeios ou trinados peculiares de cada espécie, são verdadeiros cantos uivantes, de desenganos, de quem perdera o aconchego de seu ninho, de seu covil, de sua rústica morada, construída para amenizar o frio nas noites-madrugadas, durante a quadra chuvosa.
Em noite fosca ou de mesmo de luar prateado, não raro estabeleço esse monólogo com esses personagens, cujas vozes lastimosas caem sobre os meus centros nervosos, como presságios reflexivos principalmente quando ouço na hora vesperal, a voz de juriti tristonha no catingote fechado, o pio solitário do nambu espanta-boiada, que, ao anoitecer, perdera o contato com sua parceira que caíra em sono vesperal na capoeira, o canto atípico e melancólico do caburé de buraco, o choro sinistro e madrugadenho da Mãe da Lua, na solidão que sempre lhe reserva a natureza, e por último a misteriosa acauã, que tem canto noturno sutil e compassado, côa...coã...coã..., ou prenunciando males de guerreira na sua versão de luta, o piado, cuêm...cuêm...cuêm..., devorando a serpente, como um gênio tutelar do homem, do dizer de Raimundo Morais, em “País das Pedras Verdes”.
O cênico desses personagens campônios da rústica natureza me atrai, na forma mais reflexiva como ser humano, e acho não posso deixar de entender, que por razão mesmo, temos um encontro marcado na sutileza de um mudo acordo de convivência, quando proíbo que os desavisados do tempo os mate, os fustigue, os tire do mundo encantado de sua reprodução. É perceptível a pretensão de estabelecer um monólogo quando se aproximam da minha moradia, mesmo ouvindo o latido ou uivos dos cães que denotam suas presenças nos píncaros dos eucaliptos decenários ou nas pontas das estacas de mororó que circundam a choça campônia desse velho e amante escriba do santuário da natureza, no rincão da Chã da Graúna.
Há mistérios a decifrar, pois existe um lenho de reflexão a ser motivado, e a razão interrogativa é simples: Que leva a acauã depois do segundo canto do galo, deixar a segurança do galho seco do angico torto, no entrançado do cipoal catingueiro, vir fazer sinfonia apelativa para um ser que pertence a outra espécie que lhe é hostil? Brancas asas a abrirem-se na mudez de uma provocação transparente, pois, vêem a fresta luminosa ou a réstia receptiva do lampião aceso, a uma distância mínima, cuja preocupação esta nos limites de remover de sua plumagem, resíduos da poeira do tempo, na forma mais despreocupada. Que encanto! Tarefa para os deuses amantes da natureza mãe? Ou só para os amantes dos que habitam a Chã da Graúna? Ou ainda finalmente, para os escribas que sem meandrar, travam no dedilhar dos fios literários um embate titânico para entender esse cênico?
Em retrospectiva de tempos idos, lembrei as velhas histórias do generoso Luiz Eloi de Souza, meu ancestral imediato, que desde minha tenra idade, trazia a máxima da acauã, que em luta com a serpente, ao estirar sua asa era picada, esmorecida transmitia um canto ou piado diferente a sua companheira, e esta de imediato trazia uma espécie de massa ou fécula amarela, ponha no bico da gladiadora e de repente esta voltava à arena silvestre, até dar cabo da serpente. Restava também desse relato a indagação: Que fécula era essa? Onde ia buscá-la?
De outra feita, o sibilo de guerra do caburé, na defesa do seu ninho: Tim..., tim..., tim, tim, tim, isso durante o dia, desafiando qualquer estranho que entre em seu território, sempre em parceria com sua companheira. À noite meã ou madrugada adentro, ao silvo que também é declaração de guerra a serpente invasora, toma lugar um canto alongado, introvertido, fluido da gelidez da caatinga, quase como um sopro despretensioso, mas vigilante, pois, logo abaixo de sua linha de observação, estão os seus filhotes aquecidos pela mãe caburé, isso tudo também como a acauã, nas cercanias do copiar da Chã da Graúna.
Por último o rasgo solitário e sinistro da Mãe da Lua, a lamentação chorosa, verdadeiro humano de tenra idade, consumindo suas últimas energias apelativas para alguém lhe acudir ou partilhar a individualidade melancólica, não tão perto da choça campônia, pois, o picadeiro escolhido é o entrançado da burra leiteira, que se nutrira nas fendas do rochedo mais próximo. Não tem a essência agourenta da acauã, mas com certeza, mexe com cristãos que assistiram seus filhos morrer sem o batismo da Cruz de Malta. Nos sertões do meu velho Seridó, dá encomendação de missa para amenizar o sofrimento das pequeninas almas pagãs.
Chã da Graúna, em lua minguante do mês das cobras/2007.
(*) Professor do Curso de Direito da UFRN.
0 comentários:
Postar um comentário