UM CANTO AO SERTÃO
JAIR ELOI DE SOUZA*
Um Nordeste adormecido,
Sonha com canto de galo,
Não deixa de ser sinistro,
Se fora de hora o estalo.
Nos badanecos de minha memória, o Sertão tem agasalho. O amor telúrico é mítico, é saga, é vereda, é talho. O cênico do cinzento a partir da última lua setembrina, ganha o amarelo das craibeiras de baixios, o lilás dos ipês roxo, o sol alcança o equinócio e a primavera debuta na sua puberdade. O juazeiro perdera sua folhagem maturada e lança os primeiros brotos e botões de flores, jovens e velhos camaleões famélicos festejam a estação da rebrota e passam a dar de forma lenta os primeiros passos, colhendo o único alimento naquelas terras ínvias que lhes permitem a sobrevida até o trovoar da quadra chuvosa. As enxúndias das guinés começam a minguar, para dar lugar a ovulação a ser efetivada na invernada seguinte. Aroeiras, jatobás, barrigudas e velhos umbuzeiros se enchem de cachos e flores, em abundância, sinalizam-se como ante-sala de uma profícua quadra chuvosa, para salvação dos gados, das gentes e de todas as espécies do semi-árido. Os adivinhos e profetas se deleitam nas suas observações junto à natureza estorricada. Cada cena de formigueiros, abelhas sem ferrão, magrenha ou favos em abundâncias dos enxus, traduz uma leitura do que vai acontecer para os nordestinos.
Tempos idos começava o amansamento dos garrotes na puxada de paus cunhados por cacos de enxadas, magrerões ofereciam pouca resistência, principalmente aos talhos do chicote de couro cru. Os canzis eram substituídos nas cangas, enxadas de duas e meia ou até três libras, eram batidas e quebradas, para deslize na limpa de roçados de legumes. Capinadeiras vindas de Santa Bárbara do Oeste, tinham seus ternos de enxadas e escarinhadores renovados. O algodão recebia o seu trato na poda, decotado na sua altura meã, era encoivarado e queimado, deixando sedimento de cinzas, onde seriam plantadas sementes de melancias. As rãs no seu ranger, aproveitavam a frieza da areia de pés de pote, para protestar contra o calor extasiante do cinzento. Nesses tempos, os lobos ribeirinhos como guaxinim, fazem sua refeição noturna esfolando cururus pela barriga e consumindo suas vísceras. Os descampados do tempo, é palco para o choro melancólico da mãe da lua e os agoiros da velha acauã de penugem gasta, que em canto sutil e compassado, externa sua melancolia sem vislumbrar a mínima possibilidade de acabar com a quentura e tomar um banho de chuva, espichadas no velho angico torto no sovaco de serra.
A caatinga é um braseiro, mas, os baforetes de vento quentes, podiam ser permeados pelo perfume dos água-pés dos açudes, já de batatas maturadas a encorparem a barriga do cardume pesqueiro. O silvo da serpente faminta, se contorcendo no lajedo, sem perspectiva alguma de ter como presa, pelo menos um roedor qualquer. Assim é a vida na cinzenta Civilização do Seridó, reflexiva com as estazadas e finas veias em cacimbas, com a chegada das primeiras chuvas na nascença da quadra chuvosa nas terras do Piauí, com a resistência dos gados ante a magrenha visível e a pegada de inverno se de forma abruta e com trovoadas faiscadas.
Essas cenas de um sertão mítico, me fazem lembrar um Velho Matuto Comboieiro Contador de Histórias, Chico Eloi, a Universidade da Oralidade que perdi na puberdade dos tempos.
Mas, não devo embriagar-me em melancolia resinosa, afinal, é tempo em que as pétalas amarelas das craibeiras destalam dos seus buquês, atendem à dança dos deuses, aromam os arvoredos, embalados em ventos de travessia.
Em minguante/setembrina/2011.
(*) Professor do Curso de Direito da UFRN.
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