Muitos jardinenses já devem ter lido um “documento” que circula pela cidade, contendo três folhas, segundo o qual os imóveis urbanos não poderiam ser registrados devido, simplesmente, à recusa do cartório local em dar cumprimento a um mandado, expedido pela Primeira Vara da Justiça Federal, em Natal.
Tive acesso hoje a esse “documento”. Trata-se, na verdade, de uma petição, redigida pela advogada da Diocese de Caicó, acompanhada do mandado acima mencionado. Veja, abaixo, alguns trechos dessa petição:
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Em 09/06/2003 foi prolatada sentença onde (sic) determinou esse juízo que se oficiasse ao Cartório de Registro Imobiliário da Comarca de Jardim de Piranhas/RN, para que averbasse em seus registros as novas medidas referentes às terras constantes da escritura pública registrada sob o nº de ordem 2.747, às fls. 36v/37 do Livro 3-J (Transcrição das Transmissões), com data de 15 de junho de 1946.
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Somente por questão de esclarecimento, devemos informar a esse Juízo que o imóvel referente à presente ação foi registrado no 1º Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Caicó/RN e não em Jardim de Piranhas/RN, pois, na época do registro, Jardim de Piranhas era vila pertencente ao município de Caicó, conforme certidão imobiliária de fls. 14, 14v.
Também por questão de esclarecimento, a assinatura aposta no mandado cumprido pelo oficial de justiça às fls. 91, salvo engano, é do oficial de registro de imóveis da Comarca de Caicó, e não do oficial do cartório de Jardim de Piranhas, o que nos leva a crer que ambos os cartórios, apesar de devidamente intimados, não cumpriram a determinação judicial.
Toda a população jardinense aguarda, ansiosamente, a regularização da já citada terra, pois, com isso, haveria a possibilidade de, com simples termos de doação, expedidos pela Diocese de Caicó, o cartório de registro expedir as tão sonhadas escrituras públicas para os moradores daquela cidade, posto que mais de 90% da população não possuem escritura de seus imóveis.
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Caicó/RN, 15 de dezembro de 2010.
Pois bem. Há alguns pontos dessa petição que precisam ficar bem explicados:
1º) Como bem frisou a advogada, toda a área que hoje compreende esta cidade está registrada no 1º Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Caicó/RN. E sabem por que isso aconteceu? Por que a Diocese de Caicó, antes de Jardim de Piranhas se emancipar, ajuizou uma ação de usucapião, por meio da qual se tornou proprietária de cidade inteira. Como, na época, estas terras pertenciam à Capital do Seridó, o registro do imóvel, obviamente, tinha de ser feito no cartório de lá, como realmente o foi.
2º) O mandado ao qual os cartórios de Jardim e de Caicó recusam cumprimento, segundo a autora da petição, tem por objetivo retificar a área total do terreno usucapido pela Diocese em 1946. Averbar, para quem não sabe, significa fazer uma anotação, ao lado do registro inicial, informando alterações nos dados que dele constam. Esse procedimento se faz necessário em razão de não ser permitido rasurar um registro feito em cartório, sob pena de torná-lo nulo. Por esse motivo, é impossível ao cartório de Jardim efetuar uma averbação em um registro efetuado no cartório de Caicó. Somente este teria condições de fazê-lo, caso o principal interessado agisse nesse sentido.
3º) Para que o cartório local cumpra as determinações emanadas da Primeira Vara da Justiça Federal, sediada em Natal, dever-se-á transferir para Jardim a matrícula do imóvel, registrado, repita-se, no 1º Cartório de Caicó. Isso só ocorrerá quando a Diocese – e somente ela tem poderes para tanto – solicitar ao cartório caicoense o documento necessário, depois apresentá-lo ao cartório local e, inclusive, arcar com os custos previstos em lei.
Um ponto precisa ficar bastante claro: o cumprimento desse mandado, por si só, não solucionará o problema, ao contrário do que escreveu a advogada da Diocese em sua petição. Conforme já expliquei numa postagem anterior, publicada em 7 de abril deste ano, os jardinenses só poderão registrar seus imóveis, sem enfrentar maiores entraves, quando se fizer a regularização fundiária, o que exigirá um levantamento topográfico de toda a cidade, como se esta fosse um terreno a ser loteado entre todos os atuais possuidores.
Por fim, faço a você, caro leitor, o seguinte questionamento: por que motivo o cartório local se recusaria a regularizar essa situação, quando se sabe que o registro de imóveis é uma das fontes mais rentáveis? Teriam os tabeliães de Jardim – o anterior e a atual – feito voto de pobreza?
4 comentários:
Boa tarde Alcimar, ja que não se pode tirar escritura , gostaria de saber quais as providencias que eu devo tomar na compra de um imóvel, para que o mesmo possa ser provado que é meu.
Desde já agradeço!
Obrigado pelo comentário, caro anônimo. Infelizmente, minha ocupação me impede de instruir você. Caso o fizesse, estaria praticando advocacia administrativa e correria o risco de até ser demitido. Aconselho-o a procurar um advogado. Ele saberá lhe dar todas as instruções de que precisa.
rsrs, acho que você não entendeu, eu só quis perguntar se quando a gente comprar um imovel o que devemos fazer (eu não comprei um imovel, caso comprasse) para ele ser transferido pra mim ja que não se pode tirar escritura. tipo um recibo de compra e venda se vale como documento...
Entendi, sim. Tudo o que eu disser a você, mesmo que hipoteticamente, representa o trabalho de um advogado. Embora eu seja bacharel em Direito, não tenho registro na OAB e, portanto, não sou advogado. E, mesmo que fosse, sou servidor do Poder Judiciário, o que me impede de prestar esse serviço. Se pudesse, teria o maior prazer em instruir você e a todos os jardinenses. Porém, como já disse, isso é tarefa para os advogados. Um abraço.
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