CRIANÇAS JARDINENSES EM 1976
Máquinas do tempo, obviamente, não existem. O
que é uma pena. Pagaria caro pela oportunidade de fazer uma viagem ao passado,
retornando à Jardim de Piranhas dos anos 70 do século XX.
Foi nessa época que vivi grande parte de
minha segunda infância. Foram anos inesquecíveis, embora a cidade apresentasse
problemas e deficiências que em muito dificultavam a vida dos jardinenses. As
ruas eram quase todas de terra batida. Aparelhos de TV, carros e motos eram
artigos de luxo. Telefone? Quase ninguém o utilizava. Banho de chuveiro? Só na
época do inverno. Mas como era gostoso morar em Jardim!
Como não havia água encanada, compensava a
escassez do precioso líquido em casa com banhos diários no rio Piranhas.
Costumava pegar carona na carroça que nos abastecia diariamente, conduzida por
Carrinho de Jovelino, tão logo o Sol nascia. O tambor de óleo, transformado em
reservatório d'água, servia-me perfeitamente como montaria. Era diversão que
não admitia perder um só dia sequer.
Na falta de campos de futebol gramados,
utilizava as áreas livres nas laterais da Prefeitura Municipal como praça esportiva,
para desespero do prefeito, José Henrique. Ele, toda tarde, sem ser agressivo,
fazia a mim e a meus amigos a mesma admoestação: de que não deveríamos jogar
bola no local, pois estávamos colocando em risco a integridade física do
prédio. Nós o ouvíamos atentamente, saíamos de fininho para casa, mas, no outro
dia, lá estávamos novamente, disputando eletrizantes e divertidas partidas.
Em razão do pouquíssimo número de televisores
existentes, espremíamo-nos na Praça Plínio Saldanha ou na residência do saudoso
Armando Cabral, únicos locais onde nos era permitido assistir ao programa dos
Trapalhões ou aos filmes da Sessão da Tarde. Quem não chegasse cedo à praça
dificilmente conseguiria visualizar a tela da TV, estrategicamente instalada na
extremidade norte, em frente ao cemitério. Já em Armando, preocupávamo-nos com
os cascudos que Mariza (a mulher mais paciente que conheci) distribuía a quem
estivesse por perto após um de nós emitir gases suspeitos.
Já que computadores e videogames eram apenas
vistos em desenhos dos Jetsons ou em filmes de ficção científica, passava horas
na biblioteca Amaro Cavalcanti, lendo ou jogando damas. Lembro-me bem de uma
coleção sobre a Segunda Guerra Mundial, contendo doze volumes recheados de
fotos e reportagens sobre o conflito. Foi lá que conheci a história que mais me
chamou a atenção quando criança: Robinson Crusoé, de Daniel Defoe. Enquanto
viajava por meio dos livros, ouvia os acordes de Penny Lane, dos Beatles,
música utilizada para marcar o início dos trabalhos da Difusora Municipal, que
funcionava numa salinha, ao lado da biblioteca, esta mantida sempre em ordem
por Didi de Sandó e Neta de César de Balé.
Em Jardim de Piranhas, nos anos de 1970, os
dias passavam mais devagar. Problemas havia, claro. Mas eram compensados com
uma rotina mais tranquila. Quase todos os jardinenses se conheciam. A
rivalidade política não causava medo a ninguém. O poder econômico, na mão de poucos,
não era usado como hoje o é. As únicas drogas vendidas eram as lícitas. Todos
podiam armar suas redes nas calçadas, pois se tinha a certeza de que o sono não
seria interrompido por ninguém.
Estou ciente de que tudo muda. Com Jardim,
lógico, não foi diferente. A cidade cresceu, a população aumentou, muita coisa
se transformou, inclusive para melhor. Há de se lamentar, apenas, que se
deixaram para trás valores fundamentais a qualquer grupamento humano: o
respeito ao próximo, a educação, a tolerância e o zelo pela coisa pública.
Podem-me tachar de melancólico, saudosista, utópico. Sem problema. Aceito de
bom grado todos esses adjetivos. No entanto, é inegável que esta terra querida
tornar-se-ia um lugar melhor de se viver caso nós retomássemos o estilo de vida
daqueles inocentes anos 70.
0 comentários:
Postar um comentário