MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
PROMOTORIA ELEITORAL DA 59ª. ZONA
RECOMENDAÇÃO n° 11/2012
O Ministério Público Eleitoral, por meio do
Promotor de Justiça em exercício nesta 59ª Zona a Comarca de Jardim de
Piranhas/RN, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo art. 129,
inciso II, da Constituição Federal, art. 84, inciso II, da Constituição do
Estado do Rio Grande do Norte e no art. 61, inciso I, da Lei Complementar
Estadual nº 141/96, e
CONSIDERANDO que o art. 129, III, da
Constituição Federal determina ser função institucional do Ministério Público
promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos;
CONSIDERANDO ser atribuição institucional do
Ministério Público promover representações eleitorais por infração à Lei nº
9.504/97 (Leia das Eleições);
CONSIDERANDO que em 08 de agosto de 2012,
o município de Jardim de Piranhas
publicou no Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Norte a Lei nº 725/2012,
de 06 de julho de 2012, por meio da qual “concede reajuste salarial aos agentes
comunitário de saúde em conformidade com o incentivo estabelecido pela Portaria
nº 459, de 15 de março de 2012, editada pelo Ministério da Saúde”;
CONSIDERANDO que a referida lei, que reajusta
os vencimentos básicos dos agentes comunitários de saúde em 20,579% e concede
mais 10% de insalubridade, entrou em vigor na data da publicação e trata da
revisão da remuneração de servidores em época vedada pela lei eleitoral e, de
igual modo, pela lei de responsabilidade fiscal;
CONSIDERANDO que a lei eleitoral (9.504/97),
conforme transcrito a seguir, no inciso VIII de seu artigo 73, trata de revisão
geral ou da data-base dos servidores, dispondo que “São proibidas aos agentes
públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a
igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: (...)VIII -
fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores
públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do
ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e
até a posse dos eleitos”;
CONSIDERANDO que o art. 77 da Constituição
Federal e o art. 1.º da Lei Eleitoral estabelecem que as eleições ocorrerão
sempre no primeiro domingo do mês de outubro (que este ano se dará no dia 07),
o último dia para "revisão geral da remuneração dos servidores públicos
que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da
eleição" seria o dia 09 de abril de 2012;
CONSIDERANDO o calendário das Eleições 2012,
formalizado na Resolução do TSE nº 23.341 de 28 de junho de 2011, é clara ao
orientar que do dia 10 de abril de 2012, até a posse dos eleitos, é vedado aos
agentes públicos fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da
remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu
poder aquisitivo ao longo do ano da eleição (Lei nº 9.504/97, art. 73, VIII e
Resolução nº 22.252/2006);
CONSIDERANDO,
assim, que no período compreendido entre cento e oitenta dias antes da
eleição e a posse dos eleitos é vedada a conduta prevista no inciso VIII do
art. 73 da Lei Eleitoral, ou seja, a revisão geral que exceda a reposição da
inflação do ano da eleição;
CONSIDERANDO que o reajuste concedido aos
agentes comunitários de saúde pelo município de Jardim de Piranhas ultrapassa
em muito a inflação para o período, que
teve percentual acumulado entre os meses de janeiro a abril de 2012 de 1,86%
(índices do IPCA disponíveis em
http://www.bcb.gov.br/htms/relinf/port/2012/06/ri201206c2p.pdf e
http://www.portalbrasil.net/ipca.htm. Com acesso em 14.08.2012);
CONSIDERANDO que o § 4º, do art. 73 da Lei nº
9.504/97 estabelece que “o descumprimento do disposto neste artigo acarretará a
suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os
responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.”;
CONSIDERANDO, noutro enfoque, que a Lei de
Responsabilidade Fiscal, no parágrafo único do art. 21, impõe restrição
temporal no último ano de gestão, para efeito de aumento de despesa permanente
de pessoal, proibindo qualquer modalidade de reajuste nos 180 dias que
antecedem o término do mandato;
CONSIDERANDO que o citado artigo da LRF
encontra-se assim vazado: “Art. 21 - é
nulo de pleito direito o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não
atenda: I - as exigências dos arts. 16 e 17 desta Lei Complementar, e o
disposto no inciso XIII do art. 37 e no parágrafo 1º do art. 169 da
Constituição; II - o limite legal de comprometimento aplicado às despesas com
pessoal inativo; Parágrafo Único - Também é nulo de pleno direito o ato de que
resulte aumento de despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias
anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão referido
no artigo 20.”;
CONSIDERANDO, em vista do dispositivo
enfocado, que a partir de 5 de julho do ano final do
respectivo mandato, é defeso o incremento no gasto com servidores, ressalvado,
o crescimento da folha em razão de pagamentos decorrentes da materialização de
direitos legalmente assegurados aos servidores por força de norma
constitucional ou legal anterior, exceção
na qual, não se inclui o reajuste salarial de agentes comunitários de
saúde levado a efeito pelo município de Jardim de Piranhas por meio da Lei nº
725/2012, de 06 de julho de 2012, publicada no Diário Oficial do Estado do Rio
Grande do Norte em 08/08/2012;
CONSIDERANDO, nesse contexto, que o reajuste
salarial previsto na lei municipal nº 752/2012 não trata da materialização de direitos legalmente
assegurados aos servidores por força de norma constitucional ou legal anterior
e como sobredito, fere frontalmente a lei de responsabilidade fiscal e a
eleitoral;
CONSIDERANDO que o vínculo dos Agentes Comunitários
de Saúde é firmado, no caso da municipalidade, com os gestores locais do
programa, conforme se depreende de diversas disposições da lei n° 11.350/2006,
a quem estes devem se reportar de forma direta, o que de per si, já ensejaria a
responsabilidade municipal em arcar com despesas do programa, entre elas a
remuneração dos agentes, independentemente de auxílio proveniente da União,
senão vejamos: “Art. 2° O exercício das atividades de Agente Comunitário de
Saúde e de Agente de Combate às Endemias, nos termos desta Lei, dar-se-á
exclusivamente no âmbito do Sistema Único de Saúde -SUS, na execução das
atividades de responsabilidade dos entes federados, mediante vínculo direto
entre os referidos Agentes e órgão ou entidade da administração direta, autárquica
ou fundacional. Art. 3° O Agente Comunitário de Saúde tem como
atribuição o exercício de atividades de
prevenção de doenças e promoção da saúde, mediante ações domiciliares ou
comunitárias, individuais ou coletivas, desenvolvidas em conformidade com as
diretrizes do SUS e sob supervisão do gestor municipal, distrital, estadual ou
federal. Art. 8° Os Agentes Comunitários
de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias admitidos pelos gestores locais do
SUS e pela Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, na forma do disposto no § 4o do
art. 198 da Constituição, submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela
Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, salvo se, no caso dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa. Art. 14°. O
gestor local do SUS responsável pela contratação dos profissionais de que trata
esta Lei disporá sobre a criação dos cargos ou empregos públicos e demais
aspectos inerentes à atividade, observadas as especificidades locais.”
CONSIDERANDO que o Governo Federal, através
do Ministério da Saúde, fornece auxílio financeiro aos municípios para
manutenção e incrementação do programa em foco;
CONSIDERANDO que em 16 de março de 2012, o
Ministério da Saúde publicou a Portaria nº 459/2012, por meio da qual fixou,
com efeitos retroativos a janeiro de 2012, novo valor como incentivo de custeio
referente à implantação de agentes comunitários de saúde;
CONSIDERANDO que este “auxílio”,
expressamente tratado pelo Ministério da Saúde como incentivo, é calculado e
repassado aos municípios com base na quantidade de agentes comunitários, o que
pode ensejar a errônea impressão de que devam ser repassados de forma integral
aos agentes, como que se houvesse um piso salarial estabelecido, com vinculação
da remuneração ao valor repassado pelo Governo Federal;
CONSIDERANDO, porém, que esse incentivo prestado pela União tem o
condão de desenvolver e manter o programa como um todo, não só na gestão de
pessoal, mas, igualmente, em toda a infraestrutura organizacional necessária a
sua gestão;
CONSIDERANDO, portanto, que resta clara a
impossibilidade de eventual vinculação do subsídio dos agentes comunitários de
saúde à verba repassada pelo Governo Federal, como se pode concluir da
interpretação sistemática do art. 14° da Lei 11.350/2006, que demonstra que seu
vínculo é firmado com o município, através do acesso a cargo público previsto
em lei municipal;
CONSIDERANDO que o art. 10 da Lei
11.350/2006, que dispõe sobre as hipóteses de rescisão dos vínculos dos agentes
com a administração pública, não prevê hipótese de rescisão da contratação
pelos municípios, nas hipóteses de suspensão ou interrupção do incentivo
financeiro por parte da União;
CONSIDERANDO que mesmo as conquistas e
melhorias salariais de categorias, que são salutares e incentivadas pelo
Ministério Público, precisam se submeter aquilo que determina a lei, com o fim
de se garantir a igualdade de competição entre os candidatos e o equilíbrio
financeiro entre as receitas e as despesas da administração pública;
CONSIDERANDO que os arts. 10 e 11 da Lei nº
8.429/92 dispõem que: “Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que
causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje
perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens
ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (…) IX
- ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou
regulamento; Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra
os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os
deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições,
e notadamente:(...)”;
CONSIDERANDO que o art. 12. da mesma Lei
prescreve que o responsável pelo ato de improbidade está sujeito às seguintes
cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente: II - na hipótese do art. 10, ressarcimento
integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao
patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão
dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até
duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou
receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio
majoritário, pelo prazo de cinco anos; III - na hipótese do art. 11,
ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão
dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até
cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar
com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios,
direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual
seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos;
CONSIDERANDO que as recomendações do
Ministério Público, que fixam o dolo do agente em caso de descumprimento, são
instrumentos de orientação que visam antecipar-se ao cometimento do ilícito,
evitando a imposição de sanções, muitas vezes graves e com repercussões
irreversíveis;
CONSIDERANDO, por fim, que uma vez cometido o
ilícito, é dever do Ministério Público apurar autoria e materialidade e
promover a responsabilização dos envolvidos, pugnando pela aplicação das
sanções referidas na Lei 9.504/97 (Lei das Eleições) e na Lei 8.429/92 (Lei de
Improbidade Administrativa),
RESOLVE RECOMENDAR,
Ao Excelentíssimo Senhor Prefeito do
Município de Jardim de Piranhas, ANTÔNIO SOARES DE ARAÚJO, que:
I) Encaminhe, no prazo de 10 (dez) dias, projeto
de lei dispondo acerca da revogação integral da Lei Municipal 725/2012, vez que
se trata de ato nulo de pleno direito (aumento de despesa com pessoal nos
últimos 180 que antecedem ao fim do mandato) por força do disposto na Lei
Complementar nº 101/2000, além de ofender a Lei nº 9.504/97 por estabelecer
reajuste salarial no período expressamente vedado pela norma eleitoral;
II) Se abstenha de efetuar pagamentos com
base na referida lei.
Ao Senhor Presidente da Câmara de Vereadores,
LUÍS SOARES DE ARAÚJO, e demais edis que
integram a Casa das Leis de Jardim de Piranhas/RN, que:
I) Providenciem a célere tramitação do
projeto de lei encaminhado pelo chefe do executivo, dispondo acerca da
revogação da Lei nº 725/2012.
Por último, ressalta que o não atendimento
desta Recomendação importará na adoção das medidas judicias cabíveis,
notadamente as pertinentes à cessação da ilegalidade e punição de todos os
responsáveis, tanto na seara eleitoral, quanto no âmbito civil pelo eventual
ato de improbidade administrativa.
Encaminhe-se a presente Recomendação para que
seja publicada no Diário Oficial do Estado, bem como se remetam cópias ao
Centro de Apoio Operacional às Promotorias com Atuação em Matéria de Patrimônio
Público, ao Procurador Regional Eleitoral, ao Juiz desta 59ª Zona Eleitoral e
aos destinatários.
Fica o senhor prefeito desde já notificado a
informar (encaminhando documentação correlata), dentro do prazo de 10 (dez)
dias, a respeito das providências
adotadas com vistas ao cumprimento desta recomendação, devendo o presidente da
Câmara Municipal remeter resposta, acompanhada da ata da sessão de votação do
projeto que culminou com a lei municipal nº 725/2012, de 06 de julho de 2012,
da comprovação de que todos os vereadores foram cientificados desta
recomendação, bem como de documentos que comprovem as providências adotadas ao
fito de atendê-la, no prazo de 20 (vinte) dias.
Junte-se
ao procedimento preparatório respectivo.
Jardim de Piranhas/RN, 15 de agosto de 2012.
Marcelo Coutinho Meireles
Promotor Eleitoral da 59ª zona
(Fonte: Diário Oficial do Estado, edição nº
12.772, de 18 de agosto de 2012)
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