QUEM OUVIU?
Quarta-feira é Dia da Pátria. Sem aula, alunos acordam mais tarde. Alguns participam de eventos cívicos. Outros os apreciam de camarote. Veem desfile de tanques, marcha de militares e concerto de bandas. Democráticas, as paradas não discriminam. Ocorrem de norte a sul do Brasil.
Os eventos apresentam diferenças aqui e ali. Mas têm um denominador comum. Em determinado momento, todos entoarão o Hino Nacional. Ele é pra lá de conhecido. A meninada o canta ao longo da vida, desde os primeiros anos de escola. Apesar da repetição, porém, uma dúvida persiste.
Examinadores de concurso desafiam os candidatos a emprego público com a cobrança do quebra-cabeça. No estresse da prova, a moçada bota os pés pelas mãos. Tropeça. A questão é simples como andar pra frente. Ela pede o sujeito do primeiro período do hino. Ei-lo:
Ouviram do Ipiranga as margens plácidas / de um povo heroico o brado retumbante.
O período está na ordem inversa. Posto na ordem direta, a resposta brilha como o sol de Brasília:
As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heroico.
Quem ouviu? As margens plácidas do Ipiranga (sujeito). Ops! Você pode perguntar:
— Margens ouvem?
Em literatura sim. O artista tem licença poética. Pode tudo. Na obra, bichos falam e coisas ouvem. Pode também pisar as regras gramaticais sem pena. E sem punição. "Cacilda Becker morreram", escreveu Carlos Drummnd de Andrade quando a dama do teatro partiu. Ele errou? Não. Recorreu à liberdade absoluta de que os privilegiados desfrutam.
Alto lá
"Se Drummond pode, eu também posso?", perguntam estudantes, advogados, jornalistas, professores & cia. de gente que transita com desenvoltura pelos meandros da língua. A resposta é murista. Depende. Na língua profissional, a correção gramatical se impõe. Na literária, se a pessoa escreve poesia, contos, romances, a licença poética ganha passagem — com tapete vermelho e banda de música.
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