HISTÓRIAS
DE CANGAÇO:
POR QUE CHUVA DE BALAS NO PAÍS DE MOSSORÓ?
Jair
Eloi de Souza (*)
Em tempos de festejos juninos e a passos de
antílope acossado, acorri até a urbe mossoroense, com vocação de pagar antiga
dívida, assistindo ao cênico de bravura e resistência à cavalaria do huno do
Pajeú, Virgulino Lampião. Neste treze de junho, perfaz oitenta e cinco anos do
raio invasor e de desespero dos povos do solo oestano potiguar e da agonia
cruenta do Lobo do Cinzento, ante o malogro da sua epopéia e o vexame da
retirada por trechos da caatinga nunca dantes por si percorridos, tendo no seu
encalço a volante mais truculenta e selvagem das terras paraibanas, comandadas
por um dos seus maiores inimigos, Clementino Quelé .
Na hora vesperal a exibição, um solfejo de
xote jineteado com incursão no cancioneiro popular, cuja intérprete da terra prestara
homenagem ao grande Luiz Gonzaga pelo transcurso do centenário do seu
nascimento. Um permeio no repertório do velho Lua, com Asa Branca, Xote das Meninas,
Lá no meu Pé-de-Serra, Vem Morena e Respeita Januário. Conjunto regional no
qual o zabumbeiro estimulava a harmonia com sanfona de cento e vinte baixos e
violão. Enfim, uma preparação em leveza de gazela, para assistir ao grandioso
cênico sobre a saga lampiônica.
Neste ano, a peça ganhara “ar” de recital a
la Broadway, com coreografia em cores berrantes, cantos diversificados, e a
presença de sempre das viúvas carpideiras dos mortos na refrega nas ruas de
Mossoró, cantando incelências, como nos velhos tempos de fanatismo beato no
Juazeiro do Padre Cícero Romão. No
espetáculo, quatro personagens roubam a cena: Lampião, cujo cênico demonstra
ser carolho; mas, comandando a malta de facínoras, o Cel. Rodolfo Fernandes, na
sua imponência de alcaide-mor da urbe atacada; Sabino Gomes, comandando a
prisão do Cel. Antônio Gurgel; José Santana Leite, o Jararaca,
sabendo este o que deveria lhe acontecer, esperneia desarvorado e
abatido, pois estava ferido e preso há dois dias, portanto, prestes a ser
executado.
Mas o que leva um ato tosco, violento,
distante no tempo, ano de l927, patrocinado por um facínora de costume
selvagem, ser transformado num cênico de atrativo popular, turístico, e de albergar
uma lembrança mítica, quando transforma o túmulo de Jararaca, lugar tenente de
Lampião, no local mais visitado no cemitério em Mossoró? Essa é a primeira e
enigmática questão. A outra: que circunstâncias impulsionam a vida de um
facínora caboclo, sofrer uma derrota longe do seu pasto, pois seu convívio era
no Pajeú, Moxotó, Caatinga do Navio, nos Cariris Novos e nas terras
fronteiriças da Paraíba e Pernambuco, naquele tempo quando da vinda a Mossoró,
e não se abalar ou perder o prestígio?
De ressaltar que, na verdade, a decisão de
vir a Mossoró não foi iniciativa de Virgulino Ferreira. Lampião, desde a morte,
aos 25 de dezembro de 1926, de seu irmão mais velho, Antônio Ferreira da Silva,
vulgo esperança, tornara-se um homem triste, deixando os próprios cabelos
crescerem de forma desmedida. Antônio Ferreira, antes de morrer, participara,
aos 26 de novembro do citado ano, da maior batalha do cangaço de todos os
tempos, Serra Grande, onde o Lobo do Cinzento derrotou forças volantes de
quatro Estados do Nordeste, algo em torno de trezentos homens. Ganhara posição e atrevimento de propor ao
Governo Pernambucano dividir o Estado em dois territórios: da pancada do mar
até Rio Branco (hoje arco Verde),
mandava o mandatário eleito pelo povo. De Rio Branco ao sertão mandava
Lampião. Então, no convencimento interpretativo de Lampião, embora para os
mossoroenses tenha sido a batalha da vida, para Lampião fora apenas uma
retirada como muitas outras que fizera em sua vida, quando percebia estar em
desvantagem. No entanto tenha sido, sem dúvida, a mais cruenta retirada de
todas na vida de Lampião, em razão do desconhecimento do terreno, não contar
com sua rede de coiteiros, nunca imaginara atravessar o Ceará tiroteando com
forças diversas, inclusive do próprio Ceará, que sempre utilizou como
refrigério e descanso, principalmente na serras do Diamante e Catolé, esta
pertencente parte ao Padre Cícero Romão.
Dizem os estudiosos que a áurea e bravura de
que se reveste esse episódio, esta na forma e estética de que se reveste o
cangaço, no qual o escudo ético figura com leveza no imaginário popular, quando
encontramos muitas pessoas que têm esse fenômeno delinquente, como uma versão
de Robim Hood nas terras do Velho Mundo. Lá, havia a subtração de haveres dos
mais abastados para redistribuí-los com os miseráveis. Nesse formato,
sobressaem-se o nosso Jesuíno Brilhante, o cangaceiro romântico da Serra do
Cajueiro, em Patu, cuja gesta cangaceira deu-se nos idos de l877-79, e o grande
Senhor Pereira, da Vila de São Francisco, no Pajeú, cujo lustro ocorreu de 1918
a 1922, quando entregou seu grupo a Virgulino Ferreira da Silva, Lampião, que
era seu lugar tenente mais versátil, cuja sobrevida vai ao ano de 1938, pois
morto na Gruta de Angicos aos 40 anos de idade, contabilizando vinte de cangaço.
É fato que Chuva de Balas no País de Mossoró
tem a bravura incontida de uma saga de povos, que, ante a decisão de aliar-se à
delinquência para sobreviver, preservaram os valores da decência, dos saberes
da legalidade, do reproche ao malfeitor, mesmo sabendo dos riscos e perigos que
poderiam advir em caso de insucesso. Arriba! Mossoró. O cênico tem cangaço,
mas, sob controle.
Ainda é outono/amanhã/21, começa o inverno
no Hemisfério Sul.
(*) Professor e escriba da cena sertaneja.
2 comentários:
EU QUERO SABER DE CHICO DOIDO.PURO.
jair Elói tem um forte vinculo literário com diogenes da cunha lima, laçam livros adoidado, mas não ficam famosos,pior, não são elogiados.
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