CONTRIBUIÇÃO DO LEITOR

quarta-feira, 20 de junho de 2012



HISTÓRIAS DE CANGAÇO:

POR QUE CHUVA DE BALAS NO PAÍS DE MOSSORÓ?

Jair Eloi de Souza (*)

Em tempos de festejos juninos e a passos de antílope acossado, acorri até a urbe mossoroense, com vocação de pagar antiga dívida, assistindo ao cênico de bravura e resistência à cavalaria do huno do Pajeú, Virgulino Lampião. Neste treze de junho, perfaz oitenta e cinco anos do raio invasor e de desespero dos povos do solo oestano potiguar e da agonia cruenta do Lobo do Cinzento, ante o malogro da sua epopéia e o vexame da retirada por trechos da caatinga nunca dantes por si percorridos, tendo no seu encalço a volante mais truculenta e selvagem das terras paraibanas, comandadas por um dos seus maiores inimigos, Clementino Quelé .    

Na hora vesperal a exibição, um solfejo de xote jineteado com incursão no cancioneiro popular, cuja intérprete da terra prestara homenagem ao grande Luiz Gonzaga pelo transcurso do centenário do seu nascimento. Um permeio no repertório do velho Lua, com Asa Branca, Xote das Meninas, Lá no meu Pé-de-Serra, Vem Morena e Respeita Januário. Conjunto regional no qual o zabumbeiro estimulava a harmonia com sanfona de cento e vinte baixos e violão. Enfim, uma preparação em leveza de gazela, para assistir ao grandioso cênico sobre a saga lampiônica.

Neste ano, a peça ganhara “ar” de recital a la Broadway, com coreografia em cores berrantes, cantos diversificados, e a presença de sempre das viúvas carpideiras dos mortos na refrega nas ruas de Mossoró, cantando incelências, como nos velhos tempos de fanatismo beato no Juazeiro do Padre Cícero  Romão. No espetáculo, quatro personagens roubam a cena: Lampião, cujo cênico demonstra ser carolho; mas, comandando a malta de facínoras, o Cel. Rodolfo Fernandes, na sua imponência de alcaide-mor da urbe atacada; Sabino Gomes, comandando a prisão do Cel. Antônio Gurgel; José Santana Leite, o Jararaca,                                                                                                                                                                          sabendo este o que deveria lhe acontecer, esperneia desarvorado e abatido, pois estava ferido e preso há dois dias, portanto, prestes a ser executado.

Mas o que leva um ato tosco, violento, distante no tempo, ano de l927, patrocinado por um facínora de costume selvagem, ser transformado num cênico de atrativo popular, turístico, e de albergar uma lembrança mítica, quando transforma o túmulo de Jararaca, lugar tenente de Lampião, no local mais visitado no cemitério em Mossoró? Essa é a primeira e enigmática questão. A outra: que circunstâncias impulsionam a vida de um facínora caboclo, sofrer uma derrota longe do seu pasto, pois seu convívio era no Pajeú, Moxotó, Caatinga do Navio, nos Cariris Novos e nas terras fronteiriças da Paraíba e Pernambuco, naquele tempo quando da vinda a Mossoró, e não se abalar ou perder o prestígio?

De ressaltar que, na verdade, a decisão de vir a Mossoró não foi iniciativa de Virgulino Ferreira. Lampião, desde a morte, aos 25 de dezembro de 1926, de seu irmão mais velho, Antônio Ferreira da Silva, vulgo esperança, tornara-se um homem triste, deixando os próprios cabelos crescerem de forma desmedida. Antônio Ferreira, antes de morrer, participara, aos 26 de novembro do citado ano, da maior batalha do cangaço de todos os tempos, Serra Grande, onde o Lobo do Cinzento derrotou forças volantes de quatro Estados do Nordeste, algo em torno de trezentos homens.  Ganhara posição e atrevimento de propor ao Governo Pernambucano dividir o Estado em dois territórios: da pancada do mar até Rio Branco (hoje arco Verde),  mandava o mandatário eleito pelo povo. De Rio Branco ao sertão mandava Lampião. Então, no convencimento interpretativo de Lampião, embora para os mossoroenses tenha sido a batalha da vida, para Lampião fora apenas uma retirada como muitas outras que fizera em sua vida, quando percebia estar em desvantagem. No entanto tenha sido, sem dúvida, a mais cruenta retirada de todas na vida de Lampião, em razão do desconhecimento do terreno, não contar com sua rede de coiteiros, nunca imaginara atravessar o Ceará tiroteando com forças diversas, inclusive do próprio Ceará, que sempre utilizou como refrigério e descanso, principalmente na serras do Diamante e Catolé, esta pertencente parte ao Padre Cícero Romão.

Dizem os estudiosos que a áurea e bravura de que se reveste esse episódio, esta na forma e estética de que se reveste o cangaço, no qual o escudo ético figura com leveza no imaginário popular, quando encontramos muitas pessoas que têm esse fenômeno delinquente, como uma versão de Robim Hood nas terras do Velho Mundo. Lá, havia a subtração de haveres dos mais abastados para redistribuí-los com os miseráveis. Nesse formato, sobressaem-se o nosso Jesuíno Brilhante, o cangaceiro romântico da Serra do Cajueiro, em Patu, cuja gesta cangaceira deu-se nos idos de l877-79, e o grande Senhor Pereira, da Vila de São Francisco, no Pajeú, cujo lustro ocorreu de 1918 a 1922, quando entregou seu grupo a Virgulino Ferreira da Silva, Lampião, que era seu lugar tenente mais versátil, cuja sobrevida vai ao ano de 1938, pois morto na Gruta de Angicos aos 40 anos de idade, contabilizando vinte de  cangaço.

É fato que Chuva de Balas no País de Mossoró tem a bravura incontida de uma saga de povos, que, ante a decisão de aliar-se à delinquência para sobreviver, preservaram os valores da decência, dos saberes da legalidade, do reproche ao malfeitor, mesmo sabendo dos riscos e perigos que poderiam advir em caso de insucesso. Arriba! Mossoró. O cênico tem cangaço, mas, sob controle.

Ainda é outono/amanhã/21, começa o inverno no Hemisfério Sul.

(*) Professor e escriba da cena sertaneja.

2 comentários:

Anônimo disse...

EU QUERO SABER DE CHICO DOIDO.PURO.

Anônimo disse...

jair Elói tem um forte vinculo literário com diogenes da cunha lima, laçam livros adoidado, mas não ficam famosos,pior, não são elogiados.

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