CONTRIBUIÇÃO DO LEITOR

domingo, 11 de março de 2012

CHICO DE TELMO,
A RIMA E O VERSO NA VIDA DE UM POETA COVEIRO.

JAIR ELOI DE SOUZA (*)

Em eras idas no meu sertão, quando o coaxar do sapo-boi assombrava infantes em madrugada invernosa, o templo católico recebia a rasga-mortalha* em incursões noturnas, o canto sutil e compassado da acauã era um misto de mau agouro e prenúncio de chuvas nas terras do cinzento, conheci esse ilustre personagem, Chico de Telmo. Olhar aceso, sorriso maroto, contaminava os seus convivas com sua energia de contador de estórias e muitas vezes com seu estalo da mais genuína verve poética. Vem de uma saga de espécie ilustre, Maria Cruz, uma canção docente, desasnou muitas gerações, sendo filha do poliglota e poeta latinista José Menandro. De outra feita, a matriz paternal esbarra na silhueta esguia da paciência campônia do velho Telmo. É uma espécie de autodidata indomável na arte de fazer rima de improviso.

O conheci num logradouro de esquina, no velho vapor de seu Camboim, hoje pertencente a família do paciente e generoso Manoel Gentil, a um passo de ema da Vila citadina do velho Zé Germano Cavalcanti, onde mãe Titica cortara o meu umbigo na nascença dos anos cinqüenta. Chico de Telmo era o neto mais afeiçoado ao patriarca e gênio José Menandro. Tratava-o por padim velho, e tinha acesso às relíquias literatas que pertenciam a este, como augusto dos Anjos, seus escritos poéticos que costumava escrever em tosco caderno de vários anos, cuja idade estava presente na cor amarela desnaturada, mais para caramelo do que para as flores das craibeiras em tempo de  lua setembrina.

Chico de Telmo, sempre foi essa festa iluminada da estação da oralidade. Contador rimoso de fatos, de proezas, traz a história da província em canto de boa palestra. Poesia satírica, cultor de jocosidade mordaz, e não fugia nos velhos tempos ao refrigério em paleio e pêndulo de meio-dia,  sob a sombra do tamarindo da velha Mimosa, na Rua Artur Ribas, vizinhança de sua mãe. 

Mas, como outros poetas, Chico de Telmo não fugira à regra, ou seja, sempre levou uma vida simples, família numerosa, parcos ganhos, embora tenha-lhe cabido o ofício de ser solidário na última hora, quando participava do ritual de enterrar os que aqui viveram, sob o olhar lacrimal dos respectivos parentes. Nesse instante nunca perdera a serenidade. Atento, solícito aos que lhe procuravam, talhava o chão nos limites de não ofender o vizinho que estava em descanso eterno, e ainda ajudava agasalhando o sepultando na fenda sepulcral, sem esquecer os adereços de flores em pétalas ou buquês. Meu velho pai, Eloi de Souza, também seu amigo, nomeava esse cênico como: capricho do destino, um poeta endereçando a São Pedro, seus novos inquilinos.

A última vez que lhe abracei, fez versos rimosos, foi agradável, à sombra de uma cajaraneira. Gravei um poema, e lhe prometi voltar para mais um paleio, afinal, mesmo no anonimato, Chico de Telmo, continua a saga de um Romano da mãe-d`água,  do negro Inácio da Ccaatingueira, de Hugulino o príncipe, todos do Teixeira. Para não omitir, de um Louro do Pajeú, Pinto do Monteiro, Nicandro Gomes e sem esquecer nosso conterrâneo Chico Pedra.

A lua já é cheia, e os nimbos lacrimejam no meu Seridó, são águas de março/2012.

(*) Professor e dirigente do Curso de Direito da UFRN

1 comentários:

rosiana medeiros disse...

que linda essa homenagem que Jair fez ao primo Chico de tio Telmo,sua palavras é um balsámo para quem ler e recebe.

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