O CORDEL
E O BAIÃO NORDESTINOS NA MARQUÊS DE SAPUCAÍ
UM
TRIBUTO A ROMANO DA MÃE-D`-AGUA, INÁCIO DA CAATINGUEIRA E LUIZ GONZAGA.
Jair Eloi de Souza (*)
Tempos idos no meu Sertão, era de 1870, a
tristeza e a melancolia grassavam nas tendas quilombolas, mas, serviam de mote
para o ponteio da viola e o batuque do pandeiro, acompanhar o versejo de dois
monstros sagrados do repente: O Grande Romano da Mãe-d`água e o Negro
alforriado Inácio da Catingueira, ambos do Teixeira. O palco, a pequena urbe
por todos nós conhecida: Patos das Espinharas, sertão paraibano, que recebe o
batismo do rio de mesmo nome. O embate destacou-se sob a forma de desafio, e
durara segundo as fontes da oralidade aproximadamente oito dias. Por isso os
dois vates, representam expressiva vertente da cantoria nordestina, embora um
sendo cativo e analfabeto e o outro conhecedor das ciências populares, mas,
também muito pobre. Esqueceram estes a melancolia de seu povo, o negro que
aprendera na leitura da ciência pelas filhas do seu amo, tinha a rapidez
fulminante das respostas, do épico, cantara a alegria de sua saga. Romano
brioso, também ovacionara a bravura dos seus que embora brancos, eram atrelados
do eito servil. Esses desbravadores de uma poesia rimosa, não imaginariam que
um dia, a semente versejante triunfasse como tema num cênico que para muitos é
hoje, o maior espetáculo da terra, o carnaval alegórico do Rio de Janeiro, na
Marquês de Sapucaí.
Lembrados esses dois heróis do gemido poético
em ponteio de viola e batuque do pandeiro , neste ano, o grande homenageado foi
o Velho Lua, de Exu, Fazenda Santana, no pé da serra do Araripe, em Pernambuco.
Menino “bolchudo”, cabeça grande, puxado na cor, um caboclo sanfoneiro
espirrado do fole de oito baixos do velho Januário. Já taludo, fez aboio
reboado, no traquejo da gadaria. Cantou toada nordestina na pega de gado nos
brejinhos do sertão, domara a vaca estrela e o boi fubá. Muito cedo despertara
para os “toques” , acompanhava seu pai Januário, de Itaboca a Rancharia, de
Salgueiro a Bodocó. Frangote, após servir o ”exerço” brasileiro, deu de cabo da sanfona choradeira. Nos anos trinta, meandrando as
estradas empoeiradas em pau-de-arara, transpõe o semi-árido nordestino, e
enfrenta o Rio de Janeiro. Toca em pequenas casas noturnas, no mangue carioca,
barra pesada, a preço de trocados que mal davam para o sustento. Permeia no
baião, no xote jineteado, grava vire-e-mexe, em 1941, a primeira. Depois “Dança
Mariquinha”. Mas, já de parceria com Humberto Teixeira, lança “No meu pé de
serra”, em 1946, onde rebrota sua saudade, melancolia, de seu torrão natal, sua
pequena Exú, e suas andanças na Serra do Araripe, em solo cearense.
No ano de l947, já na RCA, solfeja a ASA
BRANCA, e A VOLTA DA ASA BRANCA, em l950, a primeira considerada o hino dos
povos do cinzento, retrata a seca inclemente, devastadora, impiedosa para com
os viventes dos sertões. A segunda, noticia a volta das chuvas, o ronco do
trovão, os rios cheios, o amor telúrico do nordestino ditando sua volta às
terras do Sertão.
Para cantar o Sertão andou na tenda de
Patativa do Assaré, esse gigante da poesia provinciana, com a “triste partida”,
decantou a tristeza do “Assum preto”, dissertou sobre a feira de mangai, de
Caruaru, chorou em lamento “a morte do vaqueiro”, cantou luar do sertão, onde
Catulo da Paixão Cearense, ponteou a solidão e manifestou sua vontade de “ser
enterrado numa grota pequenina, onde a tarde a sururina chora sua viuvez”.
Finalmente, somos pequenos, para decantar a
obra poética, melódica, cancioneira, do ícone Luiz Gonzaga: o retrato do
vaqueiro, do aldeão rurícola, do cantador de viola, dos cordelistas, do puxador
de fole ou concertina, do brado sertanejo em ano ruim, do canto da acauã, do
cheiro de xandusinha, do destemor da mulher paraibana, do amor platônico da
cabrocha, “quando ia passear, comprar farinha lá feira de Pilar”.
Lua, é tudo isso: o chão, a terra, o povo, o canto e a saga
nordestina.
(*) Professor do Curso de Direito da UFRN.
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