MINISTÉRIO PÚBLICO RECOMENDA ANULAÇÃO DA LEI QUE CONCEDEU REAJUSTE SALARIAL A AGENTES DE SAÚDE

segunda-feira, 20 de agosto de 2012


MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL
PROMOTORIA ELEITORAL DA 59ª. ZONA



RECOMENDAÇÃO n° 11/2012



O Ministério Público Eleitoral, por meio do Promotor de Justiça em exercício nesta 59ª Zona a Comarca de Jardim de Piranhas/RN, no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo art. 129, inciso II, da Constituição Federal, art. 84, inciso II, da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte e no art. 61, inciso I, da Lei Complementar Estadual nº 141/96, e

CONSIDERANDO que o art. 129, III, da Constituição Federal determina ser função institucional do Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

CONSIDERANDO ser atribuição institucional do Ministério Público promover representações eleitorais por infração à Lei nº 9.504/97 (Leia das Eleições);

CONSIDERANDO que em 08 de agosto de 2012, o  município de Jardim de Piranhas publicou no Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Norte a Lei nº 725/2012, de 06 de julho de 2012, por meio da qual “concede reajuste salarial aos agentes comunitário de saúde em conformidade com o incentivo estabelecido pela Portaria nº 459, de 15 de março de 2012, editada pelo Ministério da Saúde”;

CONSIDERANDO que a referida lei, que reajusta os vencimentos básicos dos agentes comunitários de saúde em 20,579% e concede mais 10% de insalubridade, entrou em vigor na data da publicação e trata da revisão da remuneração de servidores em época vedada pela lei eleitoral e, de igual modo, pela lei de responsabilidade fiscal;

CONSIDERANDO que a lei eleitoral (9.504/97), conforme transcrito a seguir, no inciso VIII de seu artigo 73, trata de revisão geral ou da data-base dos servidores, dispondo que “São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: (...)VIII - fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos”;

CONSIDERANDO que o art. 77 da Constituição Federal e o art. 1.º da Lei Eleitoral estabelecem que as eleições ocorrerão sempre no primeiro domingo do mês de outubro (que este ano se dará no dia 07), o último dia para "revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição" seria o dia 09 de abril de 2012;

CONSIDERANDO o calendário das Eleições 2012, formalizado na Resolução do TSE nº 23.341 de 28 de junho de 2011, é clara ao orientar que do dia 10 de abril de 2012, até a posse dos eleitos, é vedado aos agentes públicos fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição (Lei nº 9.504/97, art. 73, VIII e Resolução nº 22.252/2006);

CONSIDERANDO,  assim, que no período compreendido entre cento e oitenta dias antes da eleição e a posse dos eleitos é vedada a conduta prevista no inciso VIII do art. 73 da Lei Eleitoral, ou seja, a revisão geral que exceda a reposição da inflação do ano da eleição;

CONSIDERANDO que o reajuste concedido aos agentes comunitários de saúde pelo município de Jardim de Piranhas ultrapassa em muito a inflação  para o período, que teve percentual acumulado entre os meses de janeiro a abril de 2012 de 1,86% (índices do IPCA disponíveis em  http://www.bcb.gov.br/htms/relinf/port/2012/06/ri201206c2p.pdf e http://www.portalbrasil.net/ipca.htm. Com acesso em 14.08.2012);

CONSIDERANDO que o § 4º, do art. 73 da Lei nº 9.504/97 estabelece que “o descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.”;

CONSIDERANDO, noutro enfoque, que a Lei de Responsabilidade Fiscal, no parágrafo único do art. 21, impõe restrição temporal no último ano de gestão, para efeito de aumento de despesa permanente de pessoal, proibindo qualquer modalidade de reajuste nos 180 dias que antecedem o término do mandato;

CONSIDERANDO que o citado artigo da LRF encontra-se assim vazado:  “Art. 21 - é nulo de pleito direito o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não atenda: I - as exigências dos arts. 16 e 17 desta Lei Complementar, e o disposto no inciso XIII do art. 37 e no parágrafo 1º do art. 169 da Constituição; II - o limite legal de comprometimento aplicado às despesas com pessoal inativo; Parágrafo Único - Também é nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento de despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão referido no artigo 20.”;

CONSIDERANDO, em vista do dispositivo enfocado,  que  a partir de 5 de julho do ano final do respectivo mandato, é defeso o incremento no gasto com servidores, ressalvado, o crescimento da folha em razão de pagamentos decorrentes da materialização de direitos legalmente assegurados aos servidores por força de norma constitucional ou legal anterior, exceção  na qual, não se inclui o reajuste salarial de agentes comunitários de saúde levado a efeito pelo município de Jardim de Piranhas por meio da Lei nº 725/2012, de 06 de julho de 2012, publicada no Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Norte em 08/08/2012;

CONSIDERANDO, nesse contexto, que o reajuste salarial previsto na lei municipal nº 752/2012 não trata da  materialização de direitos legalmente assegurados aos servidores por força de norma constitucional ou legal anterior e como sobredito, fere frontalmente a lei de responsabilidade fiscal e a eleitoral;

CONSIDERANDO que o vínculo dos Agentes Comunitários de Saúde é firmado, no caso da municipalidade, com os gestores locais do programa, conforme se depreende de diversas disposições da lei n° 11.350/2006, a quem estes devem se reportar de forma direta, o que de per si, já ensejaria a responsabilidade municipal em arcar com despesas do programa, entre elas a remuneração dos agentes, independentemente de auxílio proveniente da União, senão vejamos: “Art. 2° O exercício das atividades de Agente Comunitário de Saúde e de Agente de Combate às Endemias, nos termos desta Lei, dar-se-á exclusivamente no âmbito do Sistema Único de Saúde -SUS, na execução das atividades de responsabilidade dos entes federados, mediante vínculo direto entre os referidos Agentes e órgão ou entidade da administração direta, autárquica ou fundacional.   Art.  3° O Agente Comunitário de Saúde tem como atribuição o  exercício de atividades de prevenção de doenças e promoção da saúde, mediante ações domiciliares ou comunitárias, individuais ou coletivas, desenvolvidas em conformidade com as diretrizes do SUS e sob supervisão do gestor municipal, distrital, estadual ou federal. Art. 8°  Os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias admitidos pelos gestores locais do SUS e pela Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, na forma do disposto no § 4o do art. 198 da Constituição, submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, salvo se, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa. Art.  14°.  O gestor local do SUS responsável pela contratação dos profissionais de que trata esta Lei disporá sobre a criação dos cargos ou empregos públicos e demais aspectos inerentes à atividade, observadas as especificidades locais.”

CONSIDERANDO que o Governo Federal, através do Ministério da Saúde, fornece auxílio financeiro aos municípios para manutenção e incrementação do programa em foco;

CONSIDERANDO que em 16 de março de 2012, o Ministério da Saúde publicou a Portaria nº 459/2012, por meio da qual fixou, com efeitos retroativos a janeiro de 2012, novo valor como incentivo de custeio referente à implantação de agentes comunitários de saúde;

CONSIDERANDO que este “auxílio”, expressamente tratado pelo Ministério da Saúde como incentivo, é calculado e repassado aos municípios com base na quantidade de agentes comunitários, o que pode ensejar a errônea impressão de que devam ser repassados de forma integral aos agentes, como que se houvesse um piso salarial estabelecido, com vinculação da remuneração ao valor repassado pelo Governo Federal;

CONSIDERANDO, porém,  que esse incentivo prestado pela União tem o condão de desenvolver e manter o programa como um todo, não só na gestão de pessoal, mas, igualmente, em toda a infraestrutura organizacional necessária a sua gestão;

CONSIDERANDO, portanto, que resta clara a impossibilidade de eventual vinculação do subsídio dos agentes comunitários de saúde à verba repassada pelo Governo Federal, como se pode concluir da interpretação sistemática do art. 14° da Lei 11.350/2006, que demonstra que seu vínculo é firmado com o município, através do acesso a cargo público previsto em lei municipal;

CONSIDERANDO que o art. 10 da Lei 11.350/2006, que dispõe sobre as hipóteses de rescisão dos vínculos dos agentes com a administração pública, não prevê hipótese de rescisão da contratação pelos municípios, nas hipóteses de suspensão ou interrupção do incentivo financeiro por parte da União;

CONSIDERANDO que mesmo as conquistas e melhorias salariais de categorias, que são salutares e incentivadas pelo Ministério Público, precisam se submeter aquilo que determina a lei, com o fim de se garantir a igualdade de competição entre os candidatos e o equilíbrio financeiro entre as receitas e as despesas da administração pública;

CONSIDERANDO que os arts. 10 e 11 da Lei nº 8.429/92 dispõem que: “Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (…) IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento; Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:(...)”;

CONSIDERANDO que o art. 12. da mesma Lei prescreve que o responsável pelo ato de improbidade está sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente:  II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos; III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos;

CONSIDERANDO que as recomendações do Ministério Público, que fixam o dolo do agente em caso de descumprimento, são instrumentos de orientação que visam antecipar-se ao cometimento do ilícito, evitando a imposição de sanções, muitas vezes graves e com repercussões irreversíveis;

CONSIDERANDO, por fim, que uma vez cometido o ilícito, é dever do Ministério Público apurar autoria e materialidade e promover a responsabilização dos envolvidos, pugnando pela aplicação das sanções referidas na Lei 9.504/97 (Lei das Eleições) e na Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa),

RESOLVE RECOMENDAR,

Ao Excelentíssimo Senhor Prefeito do Município de Jardim de Piranhas, ANTÔNIO SOARES DE ARAÚJO, que:

I) Encaminhe, no prazo de 10 (dez) dias, projeto de lei dispondo acerca da revogação integral da Lei Municipal 725/2012, vez que se trata de ato nulo de pleno direito (aumento de despesa com pessoal nos últimos 180 que antecedem ao fim do mandato) por força do disposto na Lei Complementar nº 101/2000, além de ofender a Lei nº 9.504/97 por estabelecer reajuste salarial no período expressamente vedado pela norma eleitoral;

II) Se abstenha de efetuar pagamentos com base na referida lei.

Ao Senhor Presidente da Câmara de Vereadores, LUÍS SOARES DE ARAÚJO,  e demais edis que integram a Casa das Leis de Jardim de Piranhas/RN, que:

I) Providenciem a célere tramitação do projeto de lei encaminhado pelo chefe do executivo, dispondo acerca da revogação da Lei nº 725/2012.

Por último, ressalta que o não atendimento desta Recomendação importará na adoção das medidas judicias cabíveis, notadamente as pertinentes à cessação da ilegalidade e punição de todos os responsáveis, tanto na seara eleitoral, quanto no âmbito civil pelo eventual ato de improbidade administrativa.

Encaminhe-se a presente Recomendação para que seja publicada no Diário Oficial do Estado, bem como se remetam cópias ao Centro de Apoio Operacional às Promotorias com Atuação em Matéria de Patrimônio Público, ao Procurador Regional Eleitoral, ao Juiz desta 59ª Zona Eleitoral e aos destinatários.

Fica o senhor prefeito desde já notificado a informar (encaminhando documentação correlata), dentro do prazo de 10 (dez) dias, a respeito das  providências adotadas com vistas ao cumprimento desta recomendação, devendo o presidente da Câmara Municipal remeter resposta, acompanhada da ata da sessão de votação do projeto que culminou com a lei municipal nº 725/2012, de 06 de julho de 2012, da comprovação de que todos os vereadores foram cientificados desta recomendação, bem como de documentos que comprovem as providências adotadas ao fito de atendê-la, no prazo de 20 (vinte) dias.

Junte-se  ao procedimento preparatório respectivo.

Jardim de Piranhas/RN, 15 de agosto de 2012.

Marcelo Coutinho Meireles
Promotor Eleitoral da 59ª zona

(Fonte: Diário Oficial do Estado, edição nº 12.772, de 18 de agosto de 2012)

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