CONTRIBUIÇÃO DO LEITOR

terça-feira, 7 de agosto de 2012



O PRANTO DE UM VELHO CARREIRO

Jair Eloi de Souza (*)

Manhã tórrida, de vento sonolento e sutil. As cantadeiras do carro de boi quebravam o silêncio. O arvoredo ressequido tinha o seu cênico desnudado e residualmente se transformara em maravalha, gravetos e folhagem orvalhada deitada sobre a terra nua. Cancões em ecos intermitentes davam vazão a sua sinfonia babélica e macabra, devorando asquerosa serpente no rochedo em fenda laminada. O Carreiro conhecia os mistérios da terra íngreme. A estreiteza da vereda cobrava esforço redobrado da junta de boi para alcançar a tenda rupestre, que escondia sua silhueta em névoa cinzenta. A melancolia fez colo silente na mente daquele guia campesino. Na puberdade dos tempos, mal agasalhara o seu encanto por noviça de pele azeitonada, viera Caetana, a inimiga da vida, e subtraíra o seu universo em cupido caboclo. Deitara a tristeza sobre si.  Xanduzinha era seu nome. Sempre a via no canto sutil de pomba colombina, que externava sua tristeza e inconformismo no entrançado arbustivo que envolvia velha aroeira centenária. Mas, apesar da perda de tão valioso tesouro, não destruíra sua esperança, pois esperava, em seu livre pensar, o melhor dos desfechos, um curso de ideias inflamáveis fluía no âmago de sua alma; o seu espírito realmente queimava igualmente a brasas no limiar de seu acesamento. Pensava consigo que aquela alma amante poderia aproveitar o embaçamento da névoa e retornar ao seu convívio na choça campônia.

Ledo engano. Xanduzinha perdera a identidade material. Nada havia daquela silhueta atrativa para os terrenos, especialmente para o enamorado carreiro, que desfrutava de seu sorriso brejeiro todas as manhãs. E estas manhãs tornaram-se tristes, monótonas. O vento deixara de ser brisa refrescante, perdera o encanto para o amante, que ficara sozinho. O brioso carreiro não suportava a companhia da solidão. Aliás, a única companhia vazia é sem dúvida essa solidão, que o ser humano, sendo gregário, tenta por instinto desprezá-la. Mas ela é intrínseca aos que vivem, pensam, meditam. Embora não tenha forma, é apenas uma convivente no imaginário do vazio.

Naquela manhã, o Velho Carreiro ficara mudo consigo mesmo. Na dor da ausente amada, não brotara sequer uma palavra. A alma estava ensimesmada. Parcos soluços fluíram para esboroar o cantil lacrimal, pois sabia que nunca mais a veria. Tão pouco, sequer as vestes sedosas de Xanduzinha aderiam ao seu corpo macio e de volúpia em suave calor, quando penetrava em dominação felina sobre o velho Carreiro. O pranto solitário de um paciente condutor de bois denotava quanto estava embriagado nas quimeras da vida. Sonhos que o faziam amar de verdade, mesmo que na vida, dali pra frente, tudo seria mentira.

O Velho Carreiro, ao perceber que o sol estava a pino, não resistira à fugaz madorna. De bruço, encostara seu rosto sobre a terra morna, como a escutar os estalos de passos vindos do além, de alguém que estivesse retornando do reino dos bons, pelo mesmo caminho que fizera sua ida. Algo que seria uma deferência celestial ímpar, para satisfazer um Velho Carreiro, que, em manto de cupido caboclo, amara a Xanduzinha, nos limites de jamais esquecê-la. Daí o banzo que lhe atanazava, apesar de dissipar o tempo no seu ofício de artífice, na confecção de canzis para as cangas, no fabrico das cantadeiras que anunciavam o permeio do velho carro de boi, em canto de moenda, pelas grotas e veredas de um Sertão caboclo, cujos desígnios da natureza das coisas levaram seu fetiche do cupido.

Em lua cheia no mês da cobras/2012.

(*) Professor do Curso de Direito da UFRN e escriba da cena no Cinzento.

1 comentários:

Anônimo disse...

era mais ou menos meia noite na rodagem que liga cidade de jardim de piranhas a são José dos cacetes. naquela noite, viajava o mais aflito dos filhos de nossa senhora. o comtumaz bom humor e sua admiração pelo magnífico céu noturno foram embora, os lugares ditos mal-assombrados não lhe despertaram atenção, as frequentes preocupações em honrar compromissos e em se prevenir de infortúnios não atingiram seu consciente. só a tristeza mesclada com melancolia e amargura sangrava por seus sentimentos, por sua respiração e por seu coração dilacerado. toda a causa desse sofrimento estava na garupa de seu cavalo de aço Honda 125. Belinha, moça linda que foi cooptada pelas promessas de luxo e "boa vida", era a encomenda que o moto taxista Carmo Valentim levava – tem uma moça lhe esperando atrás da casa paroquial, traga para minha fazenda – disse o renomado fazendeiro. sem ter sido avisado de quem se tratava, Carmo Valentim carregou o grande amor de sua vida e até pouco tempo namorada, para uma noite de "amor" pago.

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