DEU NA REVISTA VEJA

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

ROBERTO DAMATTA

O entrevistado da revista Veja desta semana (edição 2.236) é o antropólogo Roberto Damatta. Leia, abaixo, os trechos que considerei mais importantes:

Temos um modelo de estado generoso, condescendente e que faz vista grossa aos pecadilhos de seus altos funcionários em detrimento do mérito e da eficiência. Ou seja: é um verdadeiro pai, mas apenas para quem se encastela na máquina e para os que orbitam ao seu redor. Ali impera a lógica dos privilégios e dos favores, como se fosse a extensão da própria casa daqueles que estão sob suas asas. São velhas práticas que já se observam à chegada de dom João VI. Quando desembarcou no Rio de Janeiro, um de seus primeiros atos foi confiscar um lote de casas para dar de presente à corte. Mais tarde, o então imperador dom Pedro I sairia distribuindo títulos de nobreza aos parentes da marquesa de Santos, então sua amante. A proclamação da República não representou uma verdadeira ruptura dessa lógica. Mudou o regime, mas não a maneira de governar, tampouco a mentalidade reinante. Antes, inchava-se a máquina pública com parentes de sangue. Com o PT, o parentesco obedece à proximidade ideológica.”

A ideia de distinguir as pessoas por suas competências e talentos especiais sempre foi rechaçada pela maioria porque vai de encontro à própria maneira como nos entendemos no mundo: o brasileiro se sente estranho e desconfortável em situações nas quais os papéis não estão predefinidos, mas precisam ser conquistados à distância das relações de parentesco e amizade. No fundo, temos verdadeira alergia ao igualitarismo, segundo o qual todos dão a largada no mesmo ponto e cada um chega a um lugar diferente dependendo do próprio esforço e resultado. Eu mesmo passei boa parte de minha vida profissional fora do Brasil para fugir desse tipo de dogma.”

“Nas instituições públicas, impera a regra do tradicional funcionalismo – uma camisa de força para o trabalho intelectual. Muita gente na universidade, que gosta de estar sob tais normas, faz jornada das 9 da manhã às 5 da tarde. Como se fosse possível a quem ambiciona produzir algo verdadeiramente relevante e original encerrar o expediente com o critério do cartão de ponto. Comprar um reagente ou qualquer outro material é uma via-crúcis. Quem julga o processo é um burocrata de Brasília sem nenhuma sintonia com a cabeça do cientista. E as greves? Evidentemente, respeito o protesto, mas a paralisação das aulas é inadmissível. Professor indignado deve dar mais aulas ainda. De tudo, no entanto, o que mais me agastava era a isonomia salarial. É inadmissível ganhar o mesmo que um profissional que fica contando os minutos para ir para casa. Como o grande gerente do ensino superior de elite do Brasil, o estado não tem contribuído para tornar a academia brasileira criativa e inovadora.”

O trânsito mostra de forma inequívoca como o brasileiro tem horror a situações em que é colocado em igualdade de condições com os outros. Porque, ainda que uns dirijam suas limusines e outros, carrinhos populares, ou que uns tenham dinheiro para molhar a mão do guarda e outros, não, o sinal vermelho será o mesmo para todos. Ultrapassá-lo significa pôr a própria vida e a dos outros em risco. As 40 000 mortes no trânsito registradas no Brasil por ano são, em grande parte, o resultado da absurda e homicida tentativa de sobrepor-se à regra. O sistema de favores e privilégios, tão eficiente em outras esferas, não garante a invulnerabilidade dos que desrespeitam as regras de trânsito. Para um antropólogo como eu, ainda que com todos os entraves, o Brasil oferece um campo inesgotável para a investigação científica.”

NOTA DO BLOG: E você, caro leitor, concorda com o entrevistado? Gostaria de saber sua opinião.

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