MINHA TRAJETÓRIA NOS CONCURSOS

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Entrevista com Monique Cheker, Procuradora da República, com especialidade em áreas de direito público e privado. Ex-procuradora do Ministério Público junto ao TCE/RJ. Autora dos livros: Ministério Público junto ao Tribunal de Contas (ed. Fórum, 2009) e Comentários às questões objetivas do concurso de Procurador da República (ed. Juspodivm, 2011).

EM QUE MOMENTO DECIDIU SE ENVEREDAR PELOS CONCURSOS PÚBLICOS?

Quando ainda cursava o primeiro ano escolar, já queria fazer concurso público para a magistratura do estado do Rio de Janeiro. Aliás, todos os meus colegas da época, inclusive outras pessoas que conheci no curso de ciências jurídicas da UFRJ, ouviam-me falar disso com frequência. Até hoje guardo um livro de um colega meu - atualmente também na carreira - no qual ele coloca uma dedicatória à "futura juíza". Eu achava que o juiz era o melhor agente público que poderia servir à sociedade e como a magistratura estadual está mais próxima dela, fui levada a pensar mais fortemente nisso. Hoje, percebo que estava enganada. O magistrado é inerte e absolutamente preso aos autos, além de "massacrado" pelos milhares de processos que possui. Realmente, os bons magistrados, muito poucos, que mantêm uma sensibilidade para a causa, merecem um prêmio. De qualquer forma, cursei toda a minha faculdade já com um foco de concurso público. Confesso que, em virtude disso, foi muito mais fácil enfrentar as dificuldades maiores que viriam. Ainda na faculdade, entrei na escola da Defensoria Pública do estado do Rio de Janeiro e, após o término daquela, ingressei na EMERJ, como aluna e monitora.

QUANDO INICIOU SEU PREPARO? QUAL METODOLOGIA USOU?

Brinco com as pessoas e digo que iniciei o meu preparo para o concurso público desde o início da faculdade. Isso, porém, tem uma parcela de verdade, pois queria inicialmente fixar a minha base conceitual e, assim, li as obras mais tradicionais como a do Moacyr Amaral Santos em processo civil, San Tiago Dantas em civil,  Rubens Requião em direito comercial (nomenclatura da época), dentre outras. Após sair da faculdade, insisti em tais clássicas, como a do Caio Mário da Silva Pereira em direito civil, Hely Lopes Meirelles e Celso Antônio Bandeira de Mello em direito administrativo, Celso Agrícola Barbi e outros autores naquela coleção da Forense de comentários ao código de processo civil que, aliás, acho excepcional. Conjuguei-as com algumas mais modernas, como a do José dos Santos Carvalho Filho em administrativo, por exemplo.

Fixei uma metodologia ideal para burlar as minhas dificuldades. Sempre tive ciência de que a minha memória era e é muito ruim. Aliás, o melhor que o candidato faz inicialmente é uma reflexão acerca das suas próprias dificuldades e limitações. Quem possui dificuldade na escrita, vá fazer um curso de redação e português; quem fica nervoso em provas, vá procurar um psicólogo; quem tem dificuldades de memorização, faça resumos. Isso é fundamental. Identifiquei esse meu problema na faculdade e, assim, já coloquei em mente: preciso fazer resumos.

Assim, cumpri um programa dividido em módulos. Nos 5 primeiros meses do ano, eu estudava o primeiro módulo de todas as matérias (o conteúdo dos módulos pode ser definido pela pessoa). Então, por exemplo, o módulo 1 de direito administrativo, abrangia a parte geral, com o estudo dos atos, princípios etc. Em direito penal, ocorria o mesmo e assim por diante. Eu fechava o primeiro módulo até maio ou junho (isso era rigorosamente observado). Como era o estudo durante os módulos? Eu lia dois livros de cada matéria - normalmente, os livros clássicos e mais importantes - e fazia resumo no computador (isso me permitia incluir observações posteriores). No mês de julho, eu relia todos os meus resumos e acrescentava mais um livro. Então, por exemplo, no período dos módulos, fazia o resumo do livro do Hely Lopes e Celso Antônio. Depois, em julho, eu relia o meu resumo e tentava acrescentar algumas anotações de um outro livro, como do José dos Santos Carvalho Filho. Normalmente, esse outro livro era mais resumido. Assim, eu partia para o módulo 2, com o módulo 1 todo organizado na cabeça. Fiz um metodologia de estudo para um projeto de três anos.

Por fim, dou uma última dica (apesar de eu não ter feito isso, o que me prejudicou bastante): a análise das provas que serão feitas é fundamental. O concurso do MPF, por exemplo, na primeira fase, sofreu nítida alteração do 23º para o 24º certame. Hoje, não é mais permitida consulta à legislação e isso naturalmente colocou a prova (e verifiquei isso muito bem, por exemplo, na de processo civil) um pouco mais sob a influência da lei seca e de súmulas.

QUAIS SÃO SUAS SUGESTÕES PARA FIXAÇÃO DE CONTEÚDO?

Chega-se a uma adequada fixação de conteúdo pela elaboração de resumos pelo próprio candidato. Mais: com os resumos, você desenvolve sua escrita, organização de pensamento, tudo. Após pronto, leia o resumo. Vou brincar novamente: "coloque uma viseira de burro" e leia o seu resumo, se precisar, dez, vinte vezes.

Aqui, gostaria de fazer algumas observações:

Primeiro, fazer um concurso público de peso exige um pouco de modéstia do candidato. Vejo muitos candidatos almejarem resultados rápidos e, em função disso, lançam mão logo de livros resumidos, os chamados livros para "decoreba", para não utilizar outros termos. Isso é péssimo, a meu ver, para o aprendizado. Comparativamente, seria o mesmo que pegar uma criança que está para ser alfabetizada e colocá-la para ler livros de resumos.

Segundo: se o candidato tem uma memória excepcional, pode dispensar os resumos. Vou dar um exemplo: sempre estudava com um colega meu, que hoje também está no MPF. Bem, enquanto eu insistia nos meus resumos, ele, com uma memória privilegiada, só precisava ler os livros. Nunca precisou fazer resumos. Essa situação pode ocorrer. Contudo, sempre acreditei que com os meus resumos eu chegaria lá e assim ocorreu.

QUANTO TEMPO DEMOROU PARA SER APROVADA NO PRIMEIRO CONCURSO?

Colei grau oficialmente em maio de 2004. Em 4 de abril de 2006, tomei posse no Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

EM QUAIS CONCURSOS A SENHORA PASSOU?

Passei no concurso do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, na Defensoria Pública do estado do Rio de Janeiro e no Ministério Público Federal. Cheguei às provas orais do Ministério Público do estado do Espírito Santo e Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL SEMPRE FOI SEU FOCO PRINCIPAL?

Não. Conforme já adiantei acima, meu foco era a magistratura estadual do Rio de Janeiro para a qual, frise-se, nunca cheguei a prestar um concurso sequer. Depois que entrei no Ministério Público e verifiquei que essa Instituição é a verdadeira promotora de mudanças, não quis mais a carreira da magistratura. Fui estagiária no Ministério Público Federal e trabalhei com o Dr. Rogério Nascimento, hoje PRR2, profissional excepcional. Uma vez, ele próprio perguntou se eu queria entrar no MPF. Respondi sem titubear: não. Em suma: a questão do MPF foi providência divina (para os religiosos) ou sorte (para os ateus). Prefiro a primeira idéia, até porque tive muito azar na minha trajetória, só que esse "azar", ao final, revelou-se uma grande bênção. Nunca estudei especificamente para o MPF. Para falar com toda a sinceridade, no meu concurso, o 23º, nem sabia os nomes dos examinadores, quem estavam na banca. Preocupei-me com isso no dia da prova oral. Hoje estou absolutamente realizada. Amo a carreira. É a profissão mais linda que existe, pois você pode ajudar concretamente as pessoas, a sociedade.

A SENHORA SOFREU ALGUMA COBRANÇA DE FAMILIARES E AMIGOS PELO RESULTADO PRETENDIDO?

 Nunca. Isso é muito pessoal. Em especial, algumas pessoas da faculdade, cursos, etc. tentam te pressionar no seguinte sentido: "você, que estuda tanto, ainda não passou?". Contudo, deixar-se levar por isso é muito pessoal.  Nunca tive vergonha de falar que estudava bastante, nem quando eram as provas dos concursos que fazia. Como tinha foco e confiança, nunca liguei e até pensava: "se as pessoas estão perguntando é porque estou no caminho certo".

DEPOIS DE APROVADA, COMO FOI SUA ROTINA DE PROCURADORA DA REPÚBLICA RECÉM EMPOSSADA?

Tinha acabado de pedir exoneração do cargo de Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas e estava absolutamente frustrada, pois me sentia inútil na carreira anterior. Então, já no MPF, nem queria ir para a casa no final do dia. Queria  poder ajuizar ações e ajudar as pessoas. Na realidade, ainda me sinto um pouco assim, mas não tanto. 

QUAIS SÃO AS ATIVIDADES QUE UMA PROCURADORA DA REPÚBLICA EXERCE? COMO É A ROTINA PROFISSIONAL?

Estou em uma PRM, sigla que utilizamos para designas as procuradorias da República no interior, nos Municípios. Esse é o destino quase certo da maioria dos candidatos que entram. Aliás, é uma experiência incrível, pois, certamente, eu nunca teria conhecido Cascavel/PR voluntariamente.

A rotina envolve a área criminal e tutela coletiva. Esta é simplesmente apaixonante. Quando o procurador da República fica ciente do que é a tutela coletiva, do leque de providências que ela autoriza, parece que as suas atribuições se multiplicam. Quem está lotado nos Estados também lida com a área eleitoral.

Contudo, ser procurador da República não é somente isso. Digo que o MPF é como se fosse uma "grande empresa". Você também tem que administrar a procuradoria onde você está lotado. Orientar e cuidar dos funcionários, ouvir choros, ditar as regras diárias, etc. Além disso, você tem que tomar conta da imagem de "sua grande empresa" e esta não se confunde com a sua. Aqui que muita gente, com todo respeito, peca. A imagem institucional vem na frente.

QUAL FOI O MOMENTO MAIS ENGRAÇADO OU CURIOSO DA SUA CARREIRA ATÉ AGORA?

Não passei por momentos engraçados ainda (espero ansiosa por essa oportunidade), mas digamos que o momento de mais expectativa foi quando fui fazer a minha prova oral. Fiz a prova oral por conta de uma decisão liminar em mandado de segurança ajuizado no Supremo Tribunal Federal. A minha prova oral ocorreu no dia 14 de junho de 2007, a partir das 8 horas. A decisão liminar saiu no dia 13 de junho de 2007, às 19 horas. Em suma: enquanto os demais candidatos viajaram para Brasília já direcionados à prova oral e psicologicamente preparados, eu viajei sem ao menos saber se iria fazê-la. Fiquei sentada no Gabinete do Ministro Cezar Peluso, das 11 horas até às 19 horas, esperando a decisão sair. Sabe qual foi a primeira frase do meu primeiro examinador no dia seguinte? Foi: "se eu soubesse que você iria entrar com um mandado de segurança, teria te reprovado nas fases anteriores". Por óbvio, com um método um pouco perverso, ele estava testando a minha reação. Tudo foi um teste de paciência e coração.  No final, correu tudo bem e aqui estou.

E O MAIS TRISTE?

Quando, em uma grande operação para coibir crimes ambientais, a juíza não decretou a prorrogação da prisão temporária dos envolvidos pois entendeu em síntese que como o Estado deixou a situação da criminalidade chegar em níveis alarmantes não poder-se-ia exigir que o Poder Judiciário suprisse esse déficit de atuação. Eu havia ficado até às 23horas preparando o pedido e fiquei profundamente decepcionada. É bom que as pessoas saibam que isso ocorre na carreira. Um outro exemplo que posso citar, não de minha atuação, foi a de uma recente decisão de Tribunal Superior que, em um caso rumoroso, anulou uma operação inteira. Acho que muitas vezes há um certo exagero (que beira à falta de técnica) nos Tribunais. Essas são normalmente as decepções da carreira.

QUANDO UM ACADÊMICO OU BACHAREL TOMA A DECISÃO DE INGRESSAR NUMA CARREIRA PÚBLICA, QUAL O PRIMEIRO PASSO A SER DADO?

Identificar as próprias deficiências, não subestimar o concurso público, realizar um estudo de qualidade e o principal: não esperar resultados imediatos. O candidato precisa fazer a diferença. Estamos falando de um concurso que de dez mil candidatos, muitas vezes, nem 5% (cinco por cento) tomam posse (já sendo muito generosa no percentual).

Um outro aspecto que é importante é a análise das posições da carreira. Vejo muitas pessoas que querem fazer a prova do MPF sem qualquer afinidade com os pensamentos da carreira. Não estou falando de certo ou errado. Aliás, o MPF é uma das Instituições que mais respeitam a liberdade de pensamento. O que quero dizer é que, assim como presencio, por exemplo, magistrados que não possuem qualquer afinidade com o cargo e prejudicam, com isso, muitas pessoas, há determinadas posturas e posições que são incompatíveis com quem quer entrar no MPF e buscar uma Instituição saudável e desenvolvida.

O QUE DEVE ESPERAR O CONCURSANDO NA HORA DE OPTAR PELA CARREIRA NA MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL?

Saber que o estudo para o concurso público exige renúncias e sacrifícios. Renúncias a amizades e convívio social. Aliás, posso falar que há mais tristezas do que alegrias. As pessoas passam por experiências diferentes, mas percebi que em todas o sacrifício está presente. Quando escutava alguém dizendo: "o meu fim de semana é sagrado para sair com meus amigos", já sabia que o caminho estava errado. Contudo, ao final, todo esse sacrifício é diariamente recompensado.

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