CONTRIBUIÇÃO DO LEITOR

terça-feira, 21 de junho de 2011

O SILENCIADO DEFENSOR DE TRÓIA

                                                        UMA ODE A HEITORZINHO



                           JAIR ELOI DE SOUZA*


Dezembro de dois mil e quatro, fatídica madrugada do dia onze, parecia amanhecer como tantas outras manhãs. Parecia! Mas algo prenunciava o diferente. O rouxinol madrugadenho não viera, estava tudo silente. Era costume, quando apontavam as primeiras raias do astro rei, anunciar que começara a confecção do seu ninho. Perdera a hora? Porque não viera ofertar seus gorjeios repetitivos, porém harmônicos e melodiosos? Ele que tantas manhãs alegrava a todos no seu ritual de artífice. Entendi, naquela manhã não havia inspiração. Não escutara o tênue bocejo do meu pequeno grande herói, seu grande aliado, quando das vezes que adentrava pela fresta do portal saltitando, talvez querendo pedir licença para confeccionar sua obra, ou mesmo lhe agradecendo porquanto nunca fora molestado por aquele.

Havia feito acordo com o indesejado silêncio sepulcral? Não, não era um admirador do ócio, jamais perdera sua majestade de regente de uma orquestra ímpar, solitária, porém de solfejos múltiplos e de notas coloridas do poético e do lírico. Mas, porque preferira a mudez ensimesmada? Já que nunca deixara de ser o sábio da sinfonia melodiosa. É que naquela manhã estava reservada para algo menos alegre, porém mais divino do que os seus gorjeios. Havia a visita de um querubim celestial, os exércitos divinos recrutaram Heitorzinho, e aquela pequena criatura solfejante estava triste, perdera o som do bocejo de seu velho amigo que ainda dormia, quando de sua chegada nas manhãs chuvosas, em que se amparava nos frechais à beira do telhado do quarto, onde aquele sempre costumava está.

Também naquela manhã não havia ninguém no lugar de costume a quem pudesse pedir licença para sua obra. O martelar melódico de seus gorjeios nos limites da tessitura de seu ninho, perdera o compasso, desafinara, estava tenso, por não dizer dúbio como o pensador de Rodin. A alma do seu trinar  amarelá-la e o seu canto peculiar emudecera. Mas o que dizer de um ser da natureza e de mundo diferente, passar essa sensação para o mundo da racionalidade teórica? Bem, há explicação. No contorno de um ponto comum, mesmo entre seres diferentes, que habitam entre a sinfonia da vida e o réquiem da morte, o bem mais salutar é a vida. E a vida é o bulir, é o cênico, é o mímico. E naquela manhã, não havia no quarto, a silhueta e o cênico do jovem defensor, para aquele inocente pássaro gorjeante menear o seu canto. 


                    
  (*) Professor e Coordenador do Curso de Direito da UFRN.

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