CONTRIBUIÇÃO DO LEITOR

segunda-feira, 6 de junho de 2011

O OUTONO DO PATRIARCA QUE NÃO ESQUECI!


UMA ODE A JOSÉ MENANDRO DA CRUZ





Não conheci a sua primavera, mas o seu cênico histórico sim, pois vi seu retrato e  o instrumento compondo a banda centenária de Pombal sua terra natal, onde oficiava com solfejos harmônicos, nos longínquos anos de l.909. Imagino ter sido uma primavera em que as cerejas tenham esbaldado suas cores. As bromélias sertanejas tenham no seu viço floral encantado o personagem. Sei que não soçobrou no verão dos trópicos, nas adversidades do cinzento da gesta sertaneja. Por isso que o conheci em plena maturação, na estação outonal, na  Jardim do Piranhas.

Os ídolos e os ícones, penso eu, nascem, agigantam-se, esbanjam proezas, mas não se nutrem na forma perene sem seus admiradores épicos, cultores da memória, guardiãs dos seus álibis, assim se faz viva a história e nunca o ócio do esquecimento aparece. Em razão disso, mesmo sabendo que enfrentaria a fuligem do tempo, impregnada na tenda da vida, resolvi fazer da vacância de sua vida entre nós, O OUTONO DO PATRIARCA, QUE NÃO ESQUECCÍ! Uma ode a Zé Menandro.

Como esquecer Zé Menandro? O enfermeiro, quase médico, músico, filósofo, o poliglota do templário cristão. O revolucionário tangido pela persiga dos reacionários do poder, o arauto da rima erudita de Augusto dos Anjos, o poeta de improviso, que rimava na saudade de sua terra natal, na ribanceira do Rio Piranhas, que um dia lhe viu descer e hoje o vê passado. Deu-se o estalo, manhã ensolarada, maio abrasador, mas havia a sombra acolhedora de uma cajaraneira ainda jovem, em frente à casa do meu anfitrião. E lá estava eu diante do poeta Chico de Telmo, coveiro aposentado, neto do lendário Zé Menandro, pois, sua mãe, era um dos rebentos deste, a exímia professora Maria Cruz, irmã de outras três do mesmo ofício: Maria Dalva, zulêica e a caçula Neuma, espécie de noviça rebelde. O encontro era ímpar, o mote era a rima entremeada da prosa. Domingo treze de maio, homenagem às mães. Tinha eu descido a Borborema potiguar, pois, dormira na minha pequena Chã da Graúna, noite clara, com lua de bolandeira, saudada na forma compassada pelo canto solitário da cauã, vindo do caatingote do alto do capim, terras da vizinha maravilha. Saudoso do meu velho Seridó, tinha em mente travar contato com o personagem referido, o velho coveiro Chico de Telmo, pois, além de ser do clã do velho Zé Menandro, é um  poeta de improviso e de fino trato.

Dissera que seu avô, embora rurícola no Município de Pombal, tinha desde moço o ofício de enfermeiro. Atendia bem aos que lhe procurava, em razão de que começa a sofrer agruras e perseguição, coisas na revolução dos lenços vermelhos, intentona comunista, das eras de l935, de quem  julgaram ser adepto. Diria eu, apenas um simpatizante, pois, era muito cristão, só que esse tênue meneio por Luiz Carlos Prestes, lhe custou o confinamento na distante São Bento da Paraíba, onde se abraçam o Espinharas e o velho Piranhas. Trazido numa acomodação entre os jovens caciques políticos de Pombal, Dr. Rui Carneiro e Dr. Queroga, onde continuou a exercer o ofício de enfermeiro, silenciando o seu clarinete, pois, a banda estava distante, um inferno de Dante, para quem vivia também dos solfejos da harmônica, e passara a ser um sabiá laranjeira, de mudez inconcebida, sem ter pra quem trinar.

Pouco tempo depois, o velho Marinheiro Saldanha que já o conhecia, lhe faz uma visita em São Bento da Paraíba, e o convida para montar residência em Jardim de Piranhas. Tinha conhecimento de seu ofício curioso no campo da enfermagem, e de grande conhecedor da omeopatia e da farmácia básica, quando chegava a prescrever sem chancela, remédios para pobres, e fazer pequenas cirurgias, “encanar” perna e braço quebrados, dentro da aptidão e experiência vivida na sua Pombal.

A Banda centenária de Pombal perdera um grande músico, mas Jardim de Piranhas ganhara um médico cirurgião, e também um poeta de fino trato. Quando embriagado na saudade de sua terra, rimava com teimosia. Deixara “forçado” sua pequena gleba no abandono, a casa e o amor telúrico pelo torrão natal, e se fazia na poesia, declamando versos na métrica que se segue:

“Eu cheguei um certo dia,         
A uma da madrugada,                                
Vi uma casa abandonada,      
Que o seu dono conheci.         
Que nem a morte assisti,
Porque a morte o venceu,
Aquilo então me doeu,
Porque eu sou muito ativo,
Sinto por quem esta vivo,
Quanto mais por quem morreu,

Casinha velha o teu dono,
Com tanto prazer te fez,
quem sabe, quem sabe o mês,
Qu’ele junto aqui viveu,
Depois desapareceu,
E tu não sentiste bem,
Te entregaste também,
Ao quadro do desengano,
Que na passagem dos anos,
Foste morada de alguém.

Já foste bem visitada,
Fostes zelada e varrida,
Já foste tudo na vida,
Em vida tornastes em nada,
Já foste como uma escada,
Mas perdeu os seus degraus,
Que  os próprios bacuraus,
Que pousavam em seu terreiro,
Hoje fogem Bem ligeiros,
Assombrando-se com seus maus

Quem limpa te conheceu,
Talvez diga te olhando,
Quem sabe, quem sabe quando,
A Vassoura de varreu,
Os paredões que prendeu,
Demonstrando o teu império,
Esse seu silêncio sério,
Imita também o seu dono,
Porque um eterno sono,
Dorme lá no cemitério.

Já fostes um reino encantado,
Já fostes do reino o trono,
Já ouviu a voz de seu dono,
Com a canção do passado.
Depois um golpe malvado,
Terminar seu dono veio,
Que esperto não se  fez,
E as suas paredes sujas!
Que até as próprias corujas,
Fogem de te com receio.


Essa rima é de autoria de um compatrício seu, e ele a declamava quando lembrava sua antiga morada sitiante que deixara para trás na velha Pombal. Contara Chico de Telmo, que ao chegar certo dia em sua sala de anotações históricas, pequena escrivania, com cadeira rústica, dissera àquele: “Padrinho velho, me dê esse livrinho pra eu ler, no que lhe retrucou o velho patriarca: Óla meu filho!, esse livro tem dois vês, mas quando devolvê-lo, quero a “Casa abandonada pronta”. E assim aconteceu, o velho coveiro e poeta Chico de Telmo, decorara essa relíquia versada.

Poliglota, arranhava o francês, onde era soberbo nas obras de Victor Hugo, mas sua praia preferida era mesmo o Latim. Amante das escrituras sagradas, preferia sempre a leitura do texto bíblico em latim. Por ser de bom alvitre ressaltar fato interessante. No início dos anos sessenta, aportara na Paróquia de Jardim de Piranhas, um padre novo, de nome Antônio Balbino, muito chegado a juventude, com certo verniz da Teologia da Libertação, e incentivador da fundação do sindicato rural, que por sinal e salvo melhor juízo, saíra do apostolado, seu primeiro presidente, Luiz Dutra, substituíra aquele, ao indomável Padre. Galvão. O velho Zé Mendandro era um coadjuvante na celebração da missão dominical, que era oficiada em latim. Certa vez, em momento vesperal à celebração, havia um converseiro desmedido, que entendia o velho octogenário ser verdadeiro desrespeito ao templo de Deus, em razão disso e na forma enérgica que lhe era peculiar quando contrariado, pediu silêncio aos presentes. Nesse ínterim, estava na sacristia o celebrante se paramentando, e resolvera amenizar o pequeno destempero, quando subira ao altar  e disse em latim, “Doença de velho, é a velhice”. O velho Zé manandro, não lhe passara recibo de chofre, mas, ao término da celebração, ao se recolher Antônio Balbino à sacristia, seguido daquele, foi surpreendido. “Ola Balbino! Você afirmou na língua mãe que doença de velho é velhice, no que concordo e entendo ser verdade. Mas, não me tira o direito de lhe dizer: que o templo de Deus merece respeito”. Até então, Padre Balbino não sabia que o velho ancião era cultor do latim, e que seu conhecimento não se restringia ao básico missal.

O velho patriarca também exerceu seu ofício de enfermeiro em Caicó, onde recentemente fora homenageado com nome de unidade de saúde naquele Município, vindo a falecer octogenário em nossa Jardim..

Em luta setembrina de 2007.

É professor do Curso de Direito da UFRN.

0 comentários:

Postar um comentário

You can replace this text by going to "Layout" and then "Page Elements" section. Edit " About "