CONTRIBUIÇÃO DO LEITOR

domingo, 5 de junho de 2011


A JOCOSIDADE E INTELIGÊNCIA DE UM VELHO SITIANTE,

                                      JUVENAL BARÃO!




              JAIR ELOI DE SOUZA*


A lua penumbrava, mas era ainda o único riso de uma noite embaçada e de sibilo sinistro. O silêncio sempre permeado pelo canto reticente, de um velho galo que dormia empoleirado nas cercanias da choça campônia e o tilintar compassado dos chocalhos de algumas reses na sua gangorra ruminante. O cênico, uma velha casa de taipa, cuja cobertura constituía-se de linhas de aroeira centenária, caibros e ripas de pereiro caatingueiro, sobre os quais se assentavam velhas e rudimentares telhas, trazidas da olaria do velho Zeca socó, cujo barreiro ficava no baixio do Amparo. Chão batido, com textura caliçada, as portas de umburana, arte de Severino de Limpeza, um misto de pedreiro e carpinteiro à moda antiga. Fogão de trempe, uma velha jarra sobre a cantareira forrada de areia ribeirinha, com adereços de copos rústicos, que nada mais eram, do que meias-luas de quengas de coco de coloração preta tosca, já encrostadas pelo uso de servir água e café dependendo da ocasião. Nos fundos da cozinha um centenário jirau, onde queijos prensados de cor amarela escura, prontos para o racha no machado e serem utilizados no feijão macassar passado no valente ou no arroz de leite, feito em tigela de barro.

Nesse cenário, morava um velho sitiante conhecido como Juvenal Barão. Pertencia aos Gonçalves da Ribeira do Rio Piranhas, tinha uma companheira de nome Leopoldina, velha grande e pampa, zoadenta, tiradora exímia de leite de vaca, vinha das bandas do povo do Juremá, no sopé da Serra do Brejo do Cruz, coisas da Paraíba sertaneja. Barão, nos tempos de mocidade ombreava os irmãos Ananias Gonçalves e o famoso Cícero Gago, no ofício de amansar burro brabo para a serventia de tropas matutas, no carrego de farinha e rapadura do Cariri. Usava ceroulas de morim ordinário e desprezava qualquer tipo de cueca. Aldeão fumador de cachimbo em fumo de rolo, passava a maior parte do tempo na gangorra ruminante de velhos cacos de dentes, de timbre de voz ameaçador, quando se dirigia as pessoas empregando o vocábulo “sujeito!...”,era mesmo tosco no trato e generoso nas atitudes.

Corria a década de setenta, a aposentadoria do FUNRURAL havia sido concedida pelo Governo Médici, e como demorava sair o benefício, geralmente os anciãos recebiam a primeira o do mês e todo o atrasado. Não havia banco fácil, guardavam os pecúlios em velhos baús, feitos em madeira de lei e revestidos com sola ponteada com percevejos de aço. Alguns facínoras, sabedores dessas botijas fáceis, andaram matando os velhinhos, para surrupiar aquelas economias forçadas. Uma certa noite, um sábado em minguante e era setembrina, a madorna do casal de anciãos já fora cumprida, havia um pacto de silêncio, cada um ouvindo o bocejo do outro. Alguém se aproxima da soleira da porta da frente e sem meio termo vocifera: “Juvenal..., ou Juvenal!... me arruma um coco d’água, venho de viagem, estou com sede”. O velho matuto, não fez ouvido de mercador, mesmo sob os protestos da velha Leopoldina, disse: já me vou sujeito!..., acende a lamparina em queima de querosene jacaré, dirige-se a jarra de barro em Cantareira de craibeiras, pega o coco, puluuuuungo... afogando-o n’água e encosta na porta para atender. Mas, de forma magistral indaga do intruso, vem de onde... sujeito? Responde o visitante sinistro, venho da Assembléia dos baus Barão. Puuuuf!.., o velho aldeão apaga a lamparina em lampejo e arremata: Quem vem da Assembléia dos Baus, passa na ía (ilha) de Aninha Guedes, e lá tem água pra afogar pirarucu sujeito!.., você vem atrás de meus cobres, suma. E assim, o velho Juvenal Barão escapara da morte, e pode continuar a nos ofertar o limbo de sua inteligência e  jocosidade mordaz, pois, morrera aos cento e um anos de idade, esquipando loas para os mais novos, inclusive para esse escriba de idade meã da Ribeira do Piranhas.

Chã da Graúna, em lua cheia setembrina/2008..


*É PROFESSOR DO CURSO DE DIREITO DA UFRN.   

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